quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Petite Nature (2021)

Começando por uma constatação de um dos maiores tabus da humanidade: sexualidade infantil não é assunto de adulto, ou de qualquer pessoa. Mas eis que a falta de categorização no campo científico e filosófico também não contribui para nos dar alguma luz sobre a jornada de descoberta sexual que temos, que quer negue ou não, há impulsos e percepções que vivenciamos desde pequenos. Colocar isso como tema para discutir abertamente na educação virou um verdadeiro cabo de guerra, como sabemos em nossa política. E por isso ter um filme como esse exemplar francês, Petite Nature/Softie de um realizador que pretende abordar de uma forma tão liberta esse universo é certamente desafiador para o público. Desconfortável e que pode ser visto até como contraditório em suas intenções. Mas calma, não estamos falando de uma nova versão de Cuties (2020). Quando falo de sexualidade, não se trata do ato carnal em si, mas todo o processo de se entender no despertar das emoções pelo outro.


Com passagem na Mostra da Semana Internacional da Crítica no Festival de Cannes ano passado, Petite Nature é centrado em Johnny (Aliocha Reinert), um garoto de dez anos que começa o filme bolando o baseado do último parceiro da sua mãe, Sonia (Melissa Onessa) que está levando ele e as crianças embora. Ele tem um irmão mais velho, mas toda a responsabilidade pela casa cai em seus ombros, como cuidar da irmã mais nova em todo seu tempo livre. O estilo de vida bagunçada com os parceiros, que chega até mesmo a flagrar relações sexuais, gera uma relação conflituosa com a mãe que trabalha numa lanchonete. Com um lar novo vem a escola nova, aonde conhece Jean (Antoine Reinartz), o novo professor de sua turma, que de cara conquista a afeição do menino, por lhe dar voz na sala de aula ao falar de perspectiva de vida. O homem parece um pai ideal, ou indo mais além, ele é como um homem dos sonhos... o que leva Johnny a querer se aproximar mais e mais. A conotação romântica obviamente não é recíproca, e é construída pouco a pouco pela perspectiva do menino, a ponto de temermos ver até onde ele vai chegar pra conseguir se tornar íntimo. A namorada do professor, uma fotógrafa, Nora (Izïa Higelin) também surge na dinâmica, com um interesse em estimular o potencial futuro dele. Numa ida à um museu proposto por ela, vemos um trecho de A Flauta Mágica (1975) do Ingmar Bergman que o deixa encantado.


O diretor, Samuel Theis (premiado em 2014 no Cannes por Party Girl) é bem cuidadoso em estabelecer esse meio em que ele se insere, como na teoria de cognição de Piaget que dita a fase de maturação da criança, que depende do meio em que ele vive para determinar como ele vai se desenvolver. O pequeno protagonista quer mudança, não aguenta mais o modo caótico da família e enxerga de forma esperançosa a possibilidade de conseguir afeto. Ainda assim a direção não escapa do intenção dúbia como decidir expor a criança em uma posição sexual, e o rumo dessa trama da obsessão romântica, algo que seria mais verossímil caso o personagem fosse uns dois ou quatro anos mais velho. O dinamarquês A Caça (2012) é um que dez anos depois continua a render debates sobre esse tipo de consciência demonstrada em um personagem de idade tão precoce.


Mas mesmo que fiquemos tensos na cadeira vendo Petite Nature, Theis não optar por seguir os avanços de Johnny no homem como um thriller para vilanizá-lo, e termina sendo um bom filme que capta as nuances dessa fase de transformações emocionais e mentais. Mesmo que muita da audácia temática parece diluída em seu desfecho, lembrando trabalhos da A24, como Projeto Flórida (2017), pela estética e o trabalho de câmera, ou por usar a faixa "Child in Time" do Deep Purple numa típica sequência musical. Sem abrir mão da complexidade ao lidar com os fatores diretos e indiretos, que deixam o público a continuar pensando após o fim da sessão. Detalhe que o elenco é de estreantes no cinema, o que faz de Eliocha Reinert uma verdadeira grande revelação, assim como Melissa Onessa. 

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