segunda-feira, 2 de maio de 2022

You Won't Be Alone (2022) e X (2022): A velhice e as tradições de velho mundo como o verdadeiro terror


Dois títulos do horror recentes que tem causado burburinho me chamaram atenção por uma certa similaridade na visão em elucidar um mesmo tipo de horror, ao compartilhar o olhar de velhas mulheres sobre o mundo e o reflexo da jornada por ele nelas mesmas.


Primeiro o exibido no Festival de Sundance, dirigido pelo macedônio naturalizado na Áustrália, Goran Stolevski, em You Won't Be Alone tudo se tem início com a chegada de Maria (Anamaria Marinca), uma bruxa de corpo deformado por queimaduras na forma de um gato no vilarejo onde estão Yoana (Kamka Tocinovski) e sua bebê Nevena. Para poupar que a figura milenar leve a criança, a mulher faz um acordo com ela: a garota se tornará sua serva mas apenas quando completar 16 anos. O que é aceito, mas não sem antes de deixar a marca da maldição no bebê cortando sua língua.
 

Nevena (Sara Klimoska) cresce e conforme o prometido, Maria a tira da caverna onde sua mãe havia a escondido, por medo da fúria que o estigma poderia desencadear dos aldeões, já que a criança desenvolveu garras e perdeu a fala. Ao seu lado, a bruxa tenta repassar seus conhecimentos, mas ao não saber como lidar ao encarar a morte com os próprios olhos, ela se rebela contra a anciã que a expulsa de sua companhia.


Ela se vê forçada a usar suas habilidades após um encontro acidental com a camponesa, Bosilka (Noomi Rapace). E para esclarecer, as bruxas concebidas por Stolevski são como metamorfos, que para completarem a troca de pele é preciso ter matado o ser vivo desejado.


A garota se torna uma testemunha da humanidade, e ao contrário de Maria, após muito sofrimento ela encontra uma forma de viver em harmonia com si mesma e sua natureza, desejando permanecer no corpo de Biliana (Alice Englert). O que gerará um confronto entre as duas, quando se tornará claro que o maior tormento da bruxa é que ela nunca alcançou algo parecido para si mesma, estando amargurada aceitou sua condição como criatura asquerosa como forma de ir contra a imagem dos seres humanos que a maltrataram. Suas queimaduras horrendas são um lembrete constante disso. Mesmo trocando de corpo, continua estando a mercê das limitações de sua forma original sob a pele nova. Sendo ainda impossível se combater as consequências da velhice: o cansaço físico e mental adquiridos até ali. E claro, a solidão que pesa nas costas e a impotência sobre a própria existência.


Nevena é jovem, se rebelou e procurou experimentar o melhor que a natureza humana poderia oferecer. E embora não haja um discurso explícito de gênero, o árduo trabalho que a vida do campo reserva, especialmente para as mulheres que são constantemente exploradas por seus maridos são um exemplo claro de um longo ciclo que se repete para o sexo feminino. Somente no corpo masculino de Boris (o português Carloto Cotta), que é possível para ela experimentar o sexo sem dor e prazeroso. A sequência de sua descoberta do orgasmo e logo após o encontro com Biliana no rio são os momentos mais potentes criados entre diretor e elenco. É possível também notar grande influência das lentes do americano Terence Malick, ao investigar essa relação metafísica, e mostrar a importância que a conexão do mundo material e espiritual tem para os homens.

X com selo da A24 foi exibido no Festival SXSW, tendo direção do norte-americano Ti West (A Casa do Demônio e O Sacramento) se apresenta como um representante moderno do Grindhouse, que teve outro significado mas é comumente usado hoje para reverenciar o projeto experimental de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez nos anos 2000, quando procuraram emular o máximo das produções setentistas com violência, sexo e outras tosqueiras que só podiam ser vistas no cinema B.


A abertura com um arquivo policial nos apresenta o cenário de uma tragédia numa fazenda em uma região interiorana do Texas em 1979. Então voltamos 24 horas antes para conhecer a trupe de profissionais de sexo, formada pelas estrelas Bobby-Lynne (Brittany Snow) e Jackson (o rapper Kid Cudi), a co-estrela Maxine (a neta da Maria Gladys, Mia Goth), o produtor Wayne (Martin Henderson), o aspirante a diretor RJ (Owen Campbell) e sua namorada e assistente, Lorraine (Jenna Ortega). Na estrada uma imagem já nos pega de surpresa quando vemos uma vaca estraçalhada por um caminhão, como uma pequena demonstração do show de horror e carnificina que acontecerá até o fim daquele dia.


Tudo soa disperso na primeira hora para um filme vendido como uma mistura de O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Boogie Nights - Prazer Sem Limites (1997), enquanto os personagens conhecem o local alugado pelo pouco amistoso Howard (Stephen Ure), filmam cenas pornô e ouvem pregações de fanáticos religiosos entoando nos meios de comunicação. Mas como prova da maestria de condução de West, até mesmo o teor "white trash" vai se dissipando em meios aos estereótipos esperados de um slasher convencional, fazendo jus ao que representam da contra-cultura da época como idealistas que viraram as costas para os bons costumes que os aprisionavam em troca de liberdade, enquanto Maxine timidamente assume o controle da narrativa.


É ela quem avista um vulto distante na residência do velho anfitrião, que descobre ser Pearl, a esposa com aparente demência causada pela idade, que começa a ter uma fixação pela beleza da jovem. Quando tudo vai se esclarendo é formado um paralelo enquanto os personagens tocam "Landslide" do Fleetwood Mac, quando a dualidade entre Maxine e Pearl começa a ser explorada em quadros lado a lado, que culmina num momento arrebatador quando a senhora desnuda deita ao lado da imagem que a conforta, a da garota. Pele jovem e nova lado a lado numa mesma cama. E saber sobre o passado de Pearl, que foi impedida de ter a vida que esperava ao lado do marido, só aprofunda mais essa perspectiva. Há outra informação importante sobre Pearl, mas que é melhor não deixá-la escrita.
 

Tal como Maria em You Won't Be Alone, nada pode ser feito para que Pearl possa se livrar da pele enrugada ou deixar de enxergá-la sem relembrar que um dia, em frente aquele mesmo espelho já houve uma mulher pronta para outro destino, antes de precisar pegar um garfo de feno para punir por inveja combinada a verve do dever religioso aqueles que podem desfrutar de futuros melhores ou mais esperançosos, sem mais medo de serem quem são. Maxine é quem vemos partindo sem ter medo de pisar no acelerador e deixar tudo para trás para enfim buscar ter a vida que merece.

You Won't Be Alone ainda não tem previsão para ser lançado no Brasil mas pode ser conferido aqui legendado. X chega em 28 de Julho nos cinemas do Brasil, e por enquanto também pode ser conferido legendado aqui. Os créditos para os arquivos vão todos para o Quarentena Cinéfila.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteir...