quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Passei Por Aqui (2022)


A nova produção original da Netflix, Passei Por Aqui/I Came By com direção do britânico-iraniano Babak Anvari (Sob a Sombra, 2016), cujos dois filmes anteriores também estão disponíveis na plataforma de streaming, parte de argumentos bem previsíveis para tomar forma própria. O atual cenário da imigração na Inglaterra, que deixa diversos estrangeiros desesperados por amparo, e sob uma crescente marginalização, assim como o campo político e social inglês são o pano de fundo onde o filme ocorre. Nele acompanhamos Toby Nealey (George MacKay), filho da psicóloga Lizzie (Kelly Macdonald), um jovem que ainda não encontrou direção na vida, muito por conta da atitude irreverente e inconformado com a sociedade, tendo como segredo sua identidade como o pichador responsável pela marca "I Came By", que ganhou notoriedade por se tornar o terror dos ricaços preocupados com a defesa da propriedade privada.


O amigo (de etnia negra) de longa data, Jay (Percelle Ascott) está saindo do esquema de pichação ilegal para tentar cuidar da namorada grávida, a imigrante Naz (Varada Sethum), logo quando Toby encontra o local ideal para a próxima, na residência do ex-juiz, Hector Blake (Hugh Boneville) onde Jay esteve trabalhando. Agindo sozinho, a invasão ocorre mas não sai como esperado quando encontra fotos e o local onde o homem esconde um segredo. O resto o telespectador pode prever. Ou não.


O dimensionamento dos conflitos entre os personagens é que gera o grande diferencial aqui, saindo do cerne comum onde costuma estarem histórias do tipo, expandindo a premissa para atingir a mensagem que pretende alcançar. Há espaço para cada um assumir ou estar em foco da narrativa, em determinado ponto temos Liz no comando, como uma mãe determinada a desvendar o mistério por trás do desconhecido. Blake está sempre atento com o sistema de segurança, faz saídas mas deixa a casa aberta, e até mesmo chaves como uma grande piada brincando com o telespectador que acompanhará sem poder fazer nada suas próximas ações. Partindo da sala de atendimento da psicóloga, onde Faisal (Antonio Aakeel) desempenha notável função, até o drama de Jay com Naz, o roteiro escrito por Anvari e Namsi Khan é bem amarrado, e esforçado em criar e sustentar subtextos e ligações. A cena onde entrega as informações necessárias para entender as motivações do vilão é um momento a se destacar pela forma como planeja uma dinâmica, onde testemunhamos melhor sua forma de cometer crimes.


Babak Anvari joga com as próprias regras em Passei Por Aqui. É uma revisão estruturalista da cartilha do home invasion como Homem nas Trevas (2016), e até poderia ser visto como um Corra (2017), à sua própria maneira, que segue por direções que podem não ser muito atraentes para os amantes do gênero, mas que tem muito a oferecer dentro do desenvolvimento pelo olhar complacente às questões sociais em que estão inseridos seus personagens, e levemente dilacerante quando encara o destino dos mesmos. Mesmo com o ditadismo e como não os livra de estarem em situações que põem em dúvida a racionalidade. Até mesmo essa sequência de eventos absurdos carrega um tom divertido por saber como demonstrar para o telespectador que não está ileso, e à mercê do sistema capitalista beneficente aos mais abastados. Da classe média confortável, às forças policiais, até aos imigrantes lutando por estadia, ninguém pode pôr um fim às ações monstruosas de Hector Blake, que se aproveita da máscara da alta sociedade para poder sair impune e satisfazer seu senso torpe e sádico por vingança. Kelly Macdonald sob uma face aflita e um George MacKay exposto de forma tão vulnerável é marcante. É preciso se mencionar o tom de humor distorcido ao fazer uma menção a Capitão Fantástico (2016), onde o ator inglês tão bem ficou conhecido, que garante uma risada nada feliz. O jovem e também escritor, Percelle Ascott, nascido no Zimbábue tem um bom desempenho, que ao finalmente tomar o centro de ação garante um desfecho satisfatório.

Anvari opta por encerrar o filme ao som da famosa balada do Tears for Fears, Everybody Wants to Rule the World que não por acaso, de relevância lírica com alusão à corrupção humana e política, tem a voz de Roland Orzabal, de descendência espanhola e argentina, além da banda ter sido grande representante nos anos 80 do espírito rebelde e revolucionário que também acompanha alguns dos personagens, e diria que encerra bem todo o intuito em refletir através dessa experiência do cinema de gênero a nossa força enfraquecedora diante do sistema burocrático e injusto que dita nossas vidas.

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