Autor de 'A Praia', o inglês Alex Garland é um dos nomes de maior ascensão na indústria cinematográfica nos últimos 20 anos, dispensando apresentações desde que sua estréia na direção, Ex-Machina (2015) com duas indicações no Oscar, se tornou um dos grandes títulos referenciais na ficção-científica deste século, ao discutir a posição do homem na evolução tecnológica que possivelmente o aniquilará no futuro. Após se aventurar na Paramount com o desastroso Aniquilação (2018), e na TV com a série Devs (2020), ele retorna a parceria de sucesso com a A24 com Men.
Em Men, junto de Harper (Jessie Buckley) somos levados ao cenário bucólico de um pequeno condado britânico, quando a mulher aluga uma residência em busca da tão sonhada tranquilidade que só o campo pode oferecer. Mas o que não conseguirá estando atormentada por visões violentas envolvendo o marido, James (Paapa Essiedu), e pouco a pouco descobrindo a presença hostil que os habitantes locais (todos homens) representam. A única figura (feminina) que a oferece consolo é a de Riley (Gayle Rinkin), a amiga com quem conversa por vídeo-chamada por horas. Sua busca por paz interior está com horas marcadas para chegar ao fim quando começar a notar um caminhante nu (interpretado por Rory Kinnear, assim como todos os outros homens que virão a seguir).
Apresentada a narrativa inicial, agora posso falar: a primeira hora de Men é uma dos mais idiotas e grosseiras que um filme poderia alcançar em termos de linguagem destes últimos anos no cinema. Desde a memória traumática com a morte que Harper possui, como um corte abrupto esfregado na cara do público para apontar o estado de luto, a criação de simbolismos numa ida a igreja, que apontam para uma mistura de cristianismo e paganismo irlandês, até a forma como quer mostrar cada homem no caminho da personagem como um possível agressor ou violentador. É estupidamente progressista por esse caminho de consciência social e de gênero, temas que viraram sinônimo da A24. Garland não é nada sutil, e isso ao menos o leva a ter um êxito mais afrente.
É assim que o mundo de Harper colide com a misoginia: o estranho pelado a segue sem motivo aparente, as forças policias não a dão ouvidos e o padre Geoffrey (Kinnear), com um toque físico avança limites sobre seu corpo durante uma conversa, além de reproduzir falas que apontam como não compreende p***a nenhuma a respeito dela, ou de ter empatia pelo seu sofrimento. O contraste da relação com a natureza plácida, imponente e que remete as formas de representações mais puras e carnais, pelo estado animalesco natural do homem aponta ao menos duas inspirações óbvias na fotografia de Rob Hardy, colaborador de sempre do diretor, o primeiro é Tarkovsky, e não seria a primeira vez desde que forçando uma linha de pensamento podemos dizer que Ex-Machina, é o Solaris (1972) do inglês, assim como Aniquilação é Stalker (1979). Bobagem verdadeira. E o dinamarquês Lars Von Trier, o popstar do cinema transgressor, como não pensar em seu Anticristo (2009)? Mas digo que essa é uma tentativa de fazer uma versão moderna de A Hora do Lobo (1967), a mais extrema aventura no horror simbólico e psicológico que Ingmar Bergman nos presenteou.
Se Men se prova ineficiente no quesito de instigar reflexões de temas que estão saturados no cenário do cinema atual, é ironicamente o caminho oposto deste tipo de conceito (o de oferecer imagens e pensamentos em segundo plano, camuflado e cheio de interpretações), que Garland tem sucesso: o confronto com o horror físico, violento e grotesco. Os 40 minutos finais são os mais aproveitáveis para os entusiastas do bizarro, quando Harper vive horas de puro terror na casa quando ocorre uma invasão. Chega a ser indescritível o que acontece nesse ponto, e o que quase retirou minha rejeição pelo filme.
Se falou muito de Rory Kinnear, mas mesmo gostando dos momentos finais, não consigo ver o ator incorporando uma força verdadeiramente ameaçadora, isso se deve muito pelos personagens pessimamente escritos, quanto pela forma como Buckley reage na pele da personagem, que me fez chegar a conclusão de que Harper mesmo confusa e melancólica, é impenetrável. A cena final que remete a dois grandes sucessos do gênero em 2019, Midsommar e Ready or Not garante um sorrisinho. Ou talvez esse seja apenas o pior papel da atriz irlandesa, que este ano pode estar melhor sendo cantora, como podem conferir aqui.
Men chega nos cinemas nacionais através da Paris Filmes em Setembro, com o subtítulo "Faces do Medo" (argh). Mas se pode ver aqui legendado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário