segunda-feira, 9 de maio de 2022

365 Dias: Hoje (2022)


Em 2020, 365 Dias chegou à Netflix e causou um grande alvoroço em torno de seu conteúdo erótico. Naquele período já havia o conferido meses antes de entrar na plataforma, seguindo o ânimo de algumas amigas por conta do erotismo presente no filme e a popularidade que a trilogia escrita por Blanka Lipińska estava tendo. Na minha perspectiva até então era regular seguindo a proposta de excitar o público feminino, mesmo que grotescamente realizado. Apenas com a polêmica entre o público comecei a ampliar minha perspectiva.


Ao ser lançado no streaming, 365 Dias se tornaria muito mais que apenas um filme erótico e inconscientemente uma peça no meio de conflitos de pensamentos políticos, e também de crítica ao mundo literário erótico que estimula e fomenta comportamentos grosseiros e ultrapassados, onde ironicamente autoras mulheres tem predominância. Enquanto a produção polonesa ganhava os olhos do mundo exibindo uma paixão lasciva duvidosa entre uma mulher sequestrada e um mafioso, chamando atenção para o tratamento retrógrado da personagem feminina, a Polônia recuava no progresso em relação a violência contra a mulher, ao dar início a retirada da Convenção de Istambul, existente desde 2011. Mais tarde naquele ano devido as pressões internacionais o país passaria a reformular suas leis na área, mesmo com a repressão de um dos partidos da ultra-direita, não deixando de amparar as vítimas de violência doméstica.


Com o lançamento da sequência, realizada agora pela Netflix a discussão retorna, afinal, o prazer dos telespectadores ao verem uma mulher ser objetificada e vítima de abusos, é condenável? É necessário correção quanto ao imaginário popularizado sexual?


365 Dias: Hoje (365 Days: This Day) não dá continuidade certa ao eventos que encerraram o primeiro longa como esperado, com Laura (Anna-Maria Sieklucka) em sugestão de perigo a caminho do casamento ao entrar em um túnel. O ocorrido é mencionado apenas para levantar um trauma na personagem, mas não há base dramática o suficiente para funcionar, e não só isso, a sequência parece mais desconexa do que nunca, talvez por conta do material do livro, por problemas de gravações na pandemia, ou para se desvencilhar das discussões polêmicas que questionam o posicionamento de Laura e a intenção dos realizadores, Barbara Bialowas e Tomasz Mandes.

 
Recapitulando, o galã a quem é atribuído todo o sucesso, Michele Morrone, interpreta o mafioso Massimo, que ao ter presenciado a morte do pai viu em Laura um vislumbre de esperança, se tornando obcecado em obter a mulher. Ele a mantém sob seu controle embora a diga que ela tenha a opção de partir. Enquanto Laura estava saindo de um relacionamento conturbado, o texto questionava vagamente sua autonomia para não repetir erros do passado e ser independente das vontades do parceiro.


O que não é o que vemos, já que a relação entre os dois é toda confusa, no jogo sexual Massimo não poderia ser visto de forma mais misógina, onde Laura está sempre de canto, á sua disposição para lhe dar prazer. Essa é a oportunidade para mencionar a trilogia 50 Tons de Cinza, que compartilha do paralelo de falhar com sua protagonista numa suposta jornada de autodescoberta interior através do sexo e dominação em sua adaptação nos cinemas.

O casamento aconteceu e na primeira meia hora tudo o que temos são sequências aleatórias de sexo pela residência do mafioso, seja entre o casal ou entre a amiga, Olga (Magdalena Lamparska) e Domenico (Otar Saralidze), e já não temos certeza se estamos na Itália ou Polônia... aliás, todo o background sobre o conflito étnico da Máfia é perdido, mesmo quando retomam a trama criminal nos momentos finais para outro desfecho de tom trágico. Uma cena que ilustra bem a fraqueza quanto a criação de um personagem consistente sem depender de estereótipos, é a de Massimo preocupado com seus sapatos novos sujos com o sangue de um homem que ele acaba de executar. Algo que se fosse saído do universo de Martin Scorsese ou de David Chase, teria um impacto ou significância maior ao exibir a vilaneza ordinário de um de seus personagens, mas em 365 Dias não existe um suporte em torno da persona cruel de Massimo, sendo uma demonstração gratuita de violência.


A música é ininterrupta, e não há uma composição original, o pior que são canções que aliado ao formato filmado me fazem retornar a primeira impressão e mais negativa: é como uma sessão pornográfica financiada pela Avon, ou qualquer outra marca de moda para exibir modelos bonitos. Quem é introduzido no novo capítulo é o espanhol Nacho (Simone Susinna), sua primeira aparição parece algo possível somente em um sonho erótico, como um jardineiro tatuado preocupado com Laura, não demora para ela estar seduzida pelo cavalheiro que a leva para uma ilha. É aí que temos uma dualidade onde continuam a perpetuar clichês de figuras masculinas na escrita erótica: Nacho surge como um salvador, um homem zeloso com a família e o bem-estar dos próximos, e em sua cama, Laura não está mais a disposição de alguém para dar prazer, mas sim de alguém que a queira satisfazer. E assim está formado um previsível triângulo amoroso. As condições de vida do personagem no entanto, são luxuosas demais para se tratar de um simples jardineiro, e aí começam a surgir twists novelescos.


Este também é o ano em que ocorreu o retorno de Adrian Lyne aos cinemas com Águas Profundas no Hulu e Amazon Prime, o cineasta famoso por filmes como Nove e Meia Semanas de Amor (1986), Atração Fatal (1987), Proposta Indecente (1993) e Lolita (1997), cujo cinema também sempre foi alvo de críticas pelo malegaze e trato de suas personagens femininas. Seu novo filme também provou não ser mais capaz de sustentar seus antigos padrões, e ainda mais ineficaz de levantar o pau de alguém, mesmo com Ana de Armas com os seios fora.

 
365 Dias: Hoje tem umas cenas que são despropositalmente divertidas, o primeiro diálogo é sobre estar sem calcinha por exemplo, e mais tarde num campo de golfe Laura mostra a Massimo qual buraco acertar, a cena foi o motivo de querer fazer um texto sobre ele. Há algo aí na galhofa que se seguisse esse tom alheio da realidade e absurdo, até seria aproveitável, mas não, não há o que defender dele da forma como seguiu. Nem mesmo uma discussão sobre os aspectos políticos e da natureza errada dá pra continuar depois dele.

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