Um homem coberto por peles de animais chora em meio às paisagens das belas montanhas norueguesas na abertura de Vildmænd (Wild Men). O desequilíbrio emocional em contraste com a imensidão da natureza certamente é uma imagem que o dinamarquês Thomas Daneskov quer que tenhamos em mente logo de início, para desvendar quem é Martin (Rasmus Bjerg). O cinema da Dinamarca aliás é um dos que melhor produz exemplares que desmistificam o coração selvagem e a natureza errática da figura masculina, como visto recentemente em Druk (2020) e Loucos Por Justiça (2020), com o astro Mads Mikkelsen.
Uma ida até o supermercado termina de forma desastrosa para nosso protagonista, que sem dinheiro ou cartão de crédito, furta alimentos após agredir um dos funcionários do local. A passagem com o jovem caixa desconcertado ao ver o homem viking portando arco e flecha no estabelecimento é cômicamente marcante e está ilustrada no pôster de divulgação.
Enquanto na estrada, Simon (Marco Ilsø), Bashir (Jonas Bergen Rahmanzade) e Musa (Zaki Youssef), que pretendem ir até a região de Guddalen sofrem um acidente ao colidir com um cervo no caminho. Musa é o único a despertar consciente e ao não receber respostas dos outros homens, conclui que estão mortos, e parte sozinho para floresta onde mais tarde é encontrado por Martin, que o auxilia a tratar e costurar seus ferimentos, se tornam cúmplices para escapar de uma dupla da patrulha policial e assim começam uma pequena aventura juntos.
As motivações do homem para se jogar na natureza como um viking e o segredo que Musa esconde, contrabandeando haxixe serão determinantes para eclodir numa conclusão violenta mais à frente, enquanto o chefe do departamento de Polícia local, Øyvind (Bjørn Sundquist) segue o rastro em paralelo para tentar rastrear e prender Martin e os três homens identificados na estrada. Anne (Sofie Gråbøl) e as duas filhas pequenas, também participam deste cenário caótico à procura do homem que as abandonou sem notícias.
Daneskov e o roteirista, Morten Pape nos encaminho para um beco sem saída digna de um thriller criminal, mas que é apenas um pano de fundo para aproveitarem o argumento do encontro entre os três homens, para nos exibir as feridas que portam em seus interiores. Um momento que prova esse cuidado é a que mostra a volta para casa de Øyvind, sozinho na cama declamando amor para sua amada esposa. Com eles temos um vislumbre da perpetuação da cultura nórdica, que aparentemente tem sido menos celebrada que aqui pela América onde se cultua a imagem da supremacia do homem branco europeu...
E pegando o fio dessa observação, vale mencionar que Bjerg e Youssef já haviam contracenado em Filhos da Dinarmaca (imagem acima) em 2019, um filme dilacerante sobre o possível obscuro futuro da Europa, com a ascensão do discurso de ódio fomentada pelos ataques terroristas estrangeiros.
Wild Men pode não vir a ser um dos grandes exemplares do cinema dinamarquês, até por conta de sua tímida distribuição após uma vasta passagem por festivais como o de Toronto e Tribeca ano passado, no Brasil não há previsão para o lançamento do filme enquanto ele já está disponível na web. Mas é efetivo e levemente autêntico com a acidez honesta que desbrava a união masculina e o estranho laço que se forma no encontro entre esses estranhos com coração pulsante sem um lugar ideal na sociedade, ou sem saberem como encararem a si mesmos para tomar as próximas decisões pelas quais são cobrados.
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