Sendo um título de destaque no Festival de Sundance, On the Count of Three recebeu uma inesperada distribuição tardia pela Orion Pictures, para aqueles que estavam curiosos por um dos filmes mais elogiados da edição de 2021, como quem escreve aqui. Agora é possível entender como sendo uma produção pequena normalmente passaria despercebida no ano em que voltamos a ter grandes produções de destaque, mas ainda assim é lamentável como não receberá o status que merece, e nem se beneficiará da temporada de premiações, que seria muito possível caso fosse melhor distribuído, se tivesse uma campanha bem planejada.
O longa marca a estréia do comediante Jerrod Charmichael (de passagens pequenas por O Artista do Desastre e Mid 90s) na direção. Ele também assume o papel do protagonista Val, um homem insatisfeito com si mesmo e o trabalho, que consequentemente não consegue mais se sentir auto-suficiente para continuar o relacionamento com a namorada, Natasha (Tiffany Haddish). Antes de se demitir, entediado com a rotina ele tenta se asfixiar com o cinto no banheiro do trabalho... A tentativa é frustrada, mas ele sai decidido a terminar o dia morto.
Seu melhor amigo, Kevin (Christopher Abbott) que cresceu marcado por um evento traumático da infância, tentou se matar há três dias e está internado. É para aonde ele segue, para tentar convencê-lo a fazer um suicídio duplo num clube de strip vazio, o que acredita que resolveria os problemas de ambos. Mas nada acaba sendo tão simples assim.
O roteiro escrito pela dupla formada por Ari Katcher e Ryan Welch, que merecidamente saiu vencedor do Prêmio Waldo Salt Screenwriting em Sundance, usa do humor ácido e esperto para contornar a atmosfera desesperançosa que ronda os dois amigos. O retrato da depressão e marcas de traumas que os seguem é visceral. Questões sobre porte de armas, atentados escolares e ética vão de boca a boca provando estarem conscientes sobre suas ações. A inclusão da faixa "Last Resort" do Papa Roach é feita de maneira bem divertida aproveitando o sentido mórbido de sua composição. Se trata de uma comédia americana afinal, o que nos dá certa segurança de acompanhar a jornada indefinida de Kevin e Val, que partem em busca de resolver problemas do passado e presente, mas a diversão tem curto prazo anunciado, e ao ressoar de um disparo sob as luzes de helicópteros o resultado é imprevisivelmente abalador, nos arrancando da zona de conforto.
Charmichael em função dupla frente e atrás das câmeras impressiona, sua desenvoltura como performer é admirável, exprimindo um ar comovente de melancolia e apatia que envolve a falta de perspectiva de Val. Abbott há um bom tempo é um nome de grande destaque no cinema independente, e o seu Kevin com a "cabeça de Doritos" é apaixonante. É ele quem entrega os momentos mais explosivos, com sua forma inconsequente de encarar a vida e situações.
Jared Abrahamson, Lavell Crawford, J.B. Smoove, Henry Winkler, Ryan McDonald, Allison Busner, Jamie Mac, Clyde Whitham e Tori Hammond também marcam presença em meio ao caos que aquele dia ainda os destina. É sobre um beco sem saída, que de alguma forma ainda é contornado, mas não sem antes nos dar o amargo gosto da perda consequente das decisões que os personagens tomam no caminho.
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