quinta-feira, 26 de maio de 2022

One for the Road (2021)


Com a ilustre assinatura do Wong Kar-Wai na produção, One For the Road havia atraído atenção no Festival de Sundance em 2021, de onde saiu vencedor do Prêmio Especial do Júri pela visão criativa na Competição Dramática, mas veio a pandemia e o filme ficou fora de radar até o momento, quando finalmente foi lançado nos cinemas da Tailândia e agora está pela web.

One for the Road como bem explicam lá pela metade, é a expressão sobre a saideira de bar, o pedido da última rodada antes de se voltar para casa. Com um pano de fundo no mundo da arte de ser bartender, a ação inicia com o pedido de Aood (o único modelo tailandês bem sucedido na Coréia do Sul, Natara Nopparatayapon), para retomar contato com o amigo, Boss (Thanapob Leeratanakajorn) que vive em Nova York cuidando do próprio bar, o trazendo para Bangkok para ser seu motorista no que pode ser seu último percurso de vida, após ser diagnosticado com leucemia, a mesma doença de seu recém-falecido pai. 


Boss aceita contanto que Aood concorde em no final da viagem voltar com ele para Nova York e iniciar um tratamento. Seu pedido consiste em viajar para ir atrás de suas ex-namoradas e se despedir, tendo elaborado uma série de fitas para cada, e também devolver algo que significou o período em que estiveram juntos. A primeira parada é com a radiante Alice (Ploi Horwang), que montou um salão como instrutora de dança. Resolvido o atrito do término, a despedida é terna mas agridoce. A viagem segue até a região de Samut Songkhram para encontrar Noona (Chutimon Chuengcharoensukying, a estrela de Happy Old Year), que conseguiu se tornar atriz.


Até então a direção de Nattawut Poonpiriya (Bad Genius), com o roteiro co-escrito pela dupla, Nottapon Boonprakob e Puangsoi Aksornsawang segue o caminho mais convencional do que é esperado de um road movie. Ao contrário de exemplares recentes com uma verve sentimentalista mais autêntica como Nomadland (2020), ou Hit the Road (2021), o filme alterna doses de humor e melancolia de forma previsível em um drama. Aparenta ser uma típica história de amizade com a pretensão de ser um confort movie, como bem sucedido em Come As You Are (2019) e Dezessete (2019). Isso é, inicialmente...


Chegando ao fim dos encontros com ex-namoradas de Aood com Roong (Siraphan Wattanajinda), é com a intromissão da bela Prim (Violette Wautier), nesse cenário que a narrativa adere a flashbacks e exploram melhor a dinâmica entre os dois homens, dando uma guinada inesperada através do passado que os conectou. É quando o filme ganha melhor profundidade, deixando de ser ordinário e apenas simpático, para compor uma relação complexa e dolorosa que fez parte do destino de cada um. 

Comentários sobre status e poder na cultura oriental, que foram o tema anterior do diretor em Bad Genius (2017), ainda fazem parte aqui mesmo que em menor dose, já que flutua entre o Ocidente tendo co-produção internacional. A melhor concepção criativa do roteiro está nos drinques e coquetéis preparados pelo Boss, que vão ganhando bastante significância e nos lança uma luz sobre o belo mundo das bebidas até então pouco abordado no cinema. E sobre a influência de Kar-Wai, o grande diretor das cores, a direção de fotografia de Phaklao Jiraungkoonkun é até competente, mas seus cenários e iluminação dão uma identidade enfraquecida e barata ao filme, principalmente nos cenários interiores onde poderia prestar homenagem ao cineasta, mas é de se considerar possíveis limitações de orçamento.

One For the Road é sobre uma jornada de acerto de contas, que mesmo seguindo uma cartilha tradicional se torna envolvente. O maior acerto de contas que Aood precisa prestar afinal, é com si mesmo. Dor, desilusões e arrependimentos eclodem conforme segredos vem à tona, e como ele deve encará-los ditam que pessoa ele se tornou. Chegando na reta final, por mais tortuoso o caminho ainda pode haver como seguir em frente.

terça-feira, 24 de maio de 2022

Os hypes do Cannes 2022


Na última terça (17/05), começou o maior evento de cinema de sempre, a 75⁰ Edição do Festival de Cannes na França. Muito badalado, e voltando cheio de polêmicas, que já começa na escolha simbólica do pôster da cena que Truman deslumbra com a parede da realidade em O Show de Truman (1998), a participação por video conferência na abertura do atual presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky que vai ser eternizado com o seu discurso, mencionando Chaplin e tudo mais. Isso antes de iniciarem a sessão de Coupez/Final Cut, o remake de One Cut of the Dead (2017), que desde que o diretor, Michel Hazanavicius o retirou da programação no Festival de Sundance, é seguido de má fama. Algumas reações de uma exibição anterior exclusiva para críticos e jornalistas, já havia sido mega negativa, mas agora está cheio de reviews favoráveis, meio que provando que todo buzz negativo era gratuito e insustentável.


A exibição de Crimes of the Future, o maior título entre os competidores pela Palma de Ouro quase foi ofuscada pelos comentários de Viggo Mortensen à respeito do vencedor do ano anterior, Titane. Soando mega errôneo devido às comparações com o grande filme do Cronenberg, Crash - Estranhos Prazeres (1996). Mas deixando todo esse blá blá blá de lado, vamos ao que (me) interessa da seleção esse ano:

Triangle of Sadness (dir. Ruben Östlund) (Seleção Oficial)


Após a vitória divisiva em 2017 com The Square - A Arte da Discórdia, Östlund parece estar disposto a vencer mais uma Palma de Ouro nessa sua comédia sobre um cruzeiro onde exibe merda, vômito e Woody Harrelson, tendo a exibição mais comentada desta edição até aqui com 8 minutos de ovacionamento. 

Sick of Myself/Syk Pike (dir. Kristoffer Borgli) (Un Certain Regard)


Tchaikovsky's Wife (dir. Kirill Serebrennikov) (Seleção Oficial)


Piotr Ilitch Tchaikovski, o grande compositor russo teve desejos homossexuais, e isso virá à público pela primeira vez sob a direção de Kirill Serebrennikov, hoje exilado de sua pátria mãe, e que deve permanecer com todos os motivos para não retomar à ela após seu novo polêmico filme.

Mariupolis 2 (dir. Mantas Kvedaravičius e Hanna Bilobrova)

Vindo com o buzz e a comoção em torno da morte do diretor lituânio, Kvedaravičius na Ucrânia durante o mês passado, seu documentário que continua o registro o mais novo capítulo moderno da guerra ucraniana já é um dos títulos mais importantes politicamente do evento. A contradição no entanto, esteve no nítido descontentamento da equipe do filme e a diretora, e noiva do falecido, Hanna Bibrovas com a exibição das performances aéreas pela French Air Force por conta de Top Gun: Maverick.

Ha-Hin/Eo (dir. Jerzy Skolimowski) (Seleção Oficial)


A Grande Testemunha (1966) de Robert Bresson onde o burro Balthazar era o grande elo narrativo para os acontecimentos em uma vila, segundo o próprio polonês Skolimowski foi o único filme que o fez derramar lágrimas, que após o mal sucedido 11 Minutes (2015), retorna agora com este filme que é uma espécie de sequência ou nova versão espiritual sobre o pobre jumentinho.

Pacifiction/Tourment sur les îles (dir. Albert Serra) (Seleção Oficial)


Holy Spider (dir. Ali Abbasi) (Seleção Oficial)


Com uma abertura fervorosa com um protesto feminista contra o feminicídio, o novo filme de Ali Abbasi, sobre um serial killer de prostitutas é um dos thrillers mais empolgantes desta nova edição do evento.

Scarlet/L'envol (dir. Pietro Marcello) (Quinzena dos Realizadores)


Smoker's Cough/Fumer fait tousser (dir. Quentin Dupieux) (Exibições da Meia Noite)


Nostalgia (dir. Mario Martone) (Seleção Oficial)


Three Thousand Years of Longing (dir. George Miller) (Fora de Competição)


Recontando o mito do gênio da lâmpada com Idris Elba e Tilda Swinton, o projeto novo de Miller já seria suficientemente atrativo, embora as reviews deste agora façam parecer que não o acompanharam com a mesma empolgação, mas ninguém contava de na abertura uma protestante seminua roubar a atenção por uns minutos, sacudindo um pouco aquele dia de exibição. 

How to Save a Dead Friend (dir. Marusya Syroechkovskaya)


R.M.N (dir. Christian Mungiu) (Seleção Ofiical)


Close (dir. Lukas Dhont) (Seleção Oficial)


Corsage (dir. Marie Kreutzer) (Un Certain Regard)


Tori and Lokita (dir. Jean Pierre e Luc Dardenne) (Seleção Oficial)


The Eight Mountains/Le otto montagne (dir. Charlotte Vandermeersch e Felix Van Groeningen) (Seleção Oficial)

Butterfly Vision/Бачення метелика (dir. Maksym Nakonechnyi) (Un Certain Regard)


Drama sobre a prisão de uma mulher ucraniana envolvida na linha de frente contra as forças russas separatistas no conflito de Donbass em 2014, é outro dos títulos ucranianos relevantes e controversos politicamente do festival.

Crimes do Futuro/Crimes of the Future (dir. David Cronenberg) (Seleção Oficial)


Ontem (23/05), o tão aguardado título do Cronenberg foi exibido, e as reações em torno das vísceras, o sexo com cortes cirúrgicos e a autopsia de uma criança não poderiam ser mais divisivas, causando saídas no meio do filme e sete minutos de ovacionamento para o canadense.

Leilrs Brothers (dir. Saeed Roustayi) (Seleção Oficial)


A Male/Un varón (dir. Fernando Hernandez) (Quinzena dos Realizadores)


One Fine Morning/Un beau matin (dir. Mia Hansen-Løve) (Quinzena dos Realizadores)


As Bestas/The Beast (dir. Rodrigo Sorogoyen) (Cannes Premiere)


Godland/Vanskabte Land (dir. Hlynur Pálmason)


Our Brothers/Nos Frangins (dir. Rachid Bouchared)

Restos do Vento (dir. Tiago Guedes)


Moonage Daydream (dir. Brett Morgen) (Exibições da Meia-Noite)


Brett Morgen, o cara por trás do doc mais aclamado sobre o Kurt Cobain há 10 anos, está de volta dessa vez prometendo uma experiência como nenhuma outra para retratar David Bowie.

All the People I'll Never Be/Retour à Séoul (dir. Davy Chou) (Un Certain Regard)


The Blue Caftan/Le Bleu du Caftan (dir. Maryam Touzani) (Un Certain Regard)


Joyland (dir. Saim Sadiq) (Un Certain Regard)


Fogo-fátuo (dir. João Pedro Rodrigues)


O polêmico cineasta português, realizador dos surreais e eróticos O Fantasma (2001) e O Ornitológo (2016), está de volta com esta fantasia musical.

More Than Ever/Plus que jamais (dir. Emily Atef) (Un Certain Regard)


Mediterranean Fever (dir. Maha Haj) (Un Certain Regard)

Silent Twins (dir. Agnieszka Smoczyńska) (Un Certain Regard)

War Pony (dir. Riley Keough e Gina Gammell) (Un Certain Regard)


Parece que após partipar de Docinho da América (2016), a neta do Elvis, Riley Keough se tornou uma discípula de Andrea Arnold e agora apresenta seu primeiro filme como diretora reunindo não-atores neste drama.

Aftersun (dir. Charlotte Wells) (Semana Internacional dos Críticos)


O filme com o Paul Mescal que tá roubando os holofotes, já tendo conseguido assinaturas com a MUBI e a A24 na distribuição internacional e diversas reviews que até o elegeram como uma obra-prima.

God's Creatures (dir. Anna Rose Holmer e Saela Davis) (Quinzena dos Realizadores)

Enys Men (dir. Mark Jenkin) (Quinzena dos Realizadores)

The Five Devils/Le cinq diables (dir. Léa Mysius)


sábado, 21 de maio de 2022

Dual (2022)


Quando o grego Yorgos Lanthimos realizou seu primeiro grande projeto internacional com O Lagosta (2015), dificilmente contava que sua obra distópica seria uma das mais influentes, para o bem ou mal, dos cineastas independentes futuramente. Ou seja, o agora. 


Riley Stearns é o americano que há três anos nos entregou o vigoroso, A Arte da Autodefesa (2019), que continha uma acidez admirável ao observar os princípios primitivos que permanecem na modernidade através da hierarquia, códigos, força e violência. Além de todos comentários sobre a masculinidade, claro. Seu retorno com Dual, participante do Festival de Sundance em Janeiro, e agora disponível em VOD nos EUA, parece ter o mesmo ponto de partida ao mostrar o percurso de Sarah (Karen Gillan), para recuperar sua vida de seu duplo, mas qual não é a surpresa ao notar tanta opacidade e insípidez em toda a forma de compor planos e criar cenas. O que não remove por completo sua tentativa de autenticidade, mas bem... prejudica alcançar seja lá qual for o impacto desejado, ainda que seja curioso.


A abertura traz Theo James (que pode ser vista agora em A Mulher do Viajante do Tempo), numa confusa disputa de vida ou morte com alguém desconhecido no horizonte, que não demora para descobrirmos se tratar dele mesmo... e que este é o duelo institucional promovido como medida pelo governo quando por acaso, os corpos originais que solicitaram um substituto, acabam não partindo desta para o melhor, para que a duplicata assuma a vida deste, e já é muito tarde para simplesmente eliminá-los quando dispõem de autonomia.

E daí para a frente não é difícil prever o que reserva para nossa protagonista, Sarah, que possui uma relação de difícil convivência com a mãe (Maija Paunio), mantém um relacionamento morno com Peter (Beulah Koale), até descobrir ser portadora de uma doença rara que garantirá que ela estará morta em breve. A solicitação pelo seu duplo é feita com quase todo o sucesso, o problema é quando os meses passam e ela ainda não está morta.

Ela então contrata os serviços de treinamento de combate de Trent (Aaron Paul), para se preparar para duelar com a outra Sarah. Gillan e Paul tem um bom entrosamento, mesmo que nada no conceito criado aqui tenha a função de ser envolvente emocionalmente. Se não há uma acidez presente no roteiro de Stearns, existe um humor mórbido como nas fitas que a personagem precisa ver em seu preparamento, que o faz parecer ainda mais próximo do filme de Lanthimos, ao tentar provocar desconcertamento no público pela indiferença expressada nos personagens ao ter que encarar morte e violência. O conteúdo nos DVDs é até divertido pela absurdidade encenada.

A outra Sarah, não é alguém que conhecemos; sabemos que sua personalidade é moldada mas Stearns pula todo o processo que poderia render discussões maiores, caso quisesse fazer algo espelhado no famoso livro de Dostoiévski, O Duplo. Confesso ainda enxergar algo de bom nessa quebra de previsibilidade, mas ao encerrar é difícil levantar qualquer questão duradoura, quando a insatisfação reina em todo o redor da protagonista, mesmo que seja desperto nela a vontade por permanecer viva, e talvez seja para isso que o filme é destinado, um conto estranho para se expressar um vazio na relação existencial com nós mesmos.

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteir...