Há certas narrativas absurdas que só chegam perto do crível por terem um diretor com visão bem estabelecida por trás, como o caso de Yorgos Lanthimos (O Sacrifício do Cervo Sagrado), ou Julia Ducournau (Titane) que causam estardalhaço, e construíram uma imagem autoral em torno desse efeito, de atribuir choque e estranheza com habilidades hipnotizadoras, flertando nos campos do irracional e místico. Isso também pode ser uma tarefa difícil para iniciantes, e me adiantando, é o que Andrew Semans (Nancy, Please) realiza corajosamente em Ressurection. Produção que conta com investimento de diversos nomes envolvidos em projetos independentes de horror de sucesso, como Lars Knudsen (Hereditário e A Bruxa), Tim Headington (Come to Daddy) e Michael M. McGuire (Daniel Isn't Real).
Tendo como grande chamariz Rebecca Hall, que também se faz presente como produtora, Resurrection se trata de um projeto que confia em seu pequeno time de atores para tirar de letra as intenções do roteiro de Semans. Acompanhando Hall no papel de Margaret, uma mulher atualmente bem sucedida, que mora com a filha, Abbie (Grace Kaufman) e que faz uso de uma identidade nova por motivos que descobrimos pouco a pouco, quando ela percebe a presença de David (Tim Roth) ao seu redor, acendendo um sinal de perigo para a mulher. A filha está para completar a maioridade, o que também se torna um conflito desafiador para Margaret, quando a instabilidade é instalada, trazendo inquietação e insegurança para si mesma e o seu lar, conforme o velho homem se aproxima. A partir de diante, tudo que podemos fazer é seguir o rastro ameaçador de que ela chega cada vez mais próxima.
Preparando terreno para uma catarse violenta, a condução de Semans é econômica, trabalhando espaços interiores e valorizando zooms e close-ups em muitos diálogos, para criar uma unidade diagética e de mise-en-cène poderosa. Se o público pode reclamar de certa monotonia, é porque justamente se trata de um filme que implode, que trabalha minimamente todo o percurso, que busca revirar o horror através do texto, provocando reações até mostrar sua verdadeira face, que é a loucura. A trilha sonora composta por Jim Williams (Kill List, Raw e Possessor) também é de se destacar por se alinhar ao controle narrativo. Quando exibido no Festival de Sundance em Janeiro, houve comparações com o cinema do polonês Andrzej Żuławski, e não feitas por acaso, quando se equivale pelo trabalho verborrágico, tenso e que busca confrontar conceitos racionalmente inconcebíveis, para ilustrar a desordem que predomina a realidade narrada. Também é possível apontar inspiração na mitologia grega, tal como ocorre nos exemplares citados de Ducournau e Lanthimos no início do texto. Mas se trata resumidamente de uma aventura surreal que toca em feridas de problemas femininos de uma forma original e nada óbvia, buscando discutir dependência emocional, relacionamento abusivo, controle e temores maternais. Terminando de forma indigesta, mesmo que possa não ter sua conclusão bem aceita por todos, é admirável como um filme de estréia por assumir riscos e lugares desconfortáveis. E será difícil não considerar este o GRANDE trabalho da carreira de Rebecca Hall.
Resurrection pode ser visto legendado neste link.
PS: E talvez uma coincidência ainda mais bizarra, é como a história de certo personagem de A Hora de Aventura se assemelha aos eventos do filme.
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