sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Sorria (2022)


O pensamento de que o sorriso é como uma máscara, pelo qual escondemos nossa verdadeira forma interior do resto do mundo, sempre ronda o imaginário popular. E carregar um sorriso no rosto é, especialmente, descrito como um fardo para aqueles que sofrem de depressão. Parker Finn parece ter tido essa percepção para realizar Sorria (Smile), que toma a forma explícita de um filme-trauma.


Um pesadelo recorrente de um evento familiar traumático, assombra a psicóloga Rose Cotter (Sosie Bacon), que atende em um hospital público, estando sobrecarregada constantemente com o número de pacientes. Tentando manter a eficiência em seu trabalho, ao insistir em transferir para o local uma jovem, Laura Weaver (Caitlin Stasey), acaba por se deparar com um desdobramento chocante em sua vida. A mulher está perturbada, parece perdida e alega está sendo perseguida por uma figura, que veste o rosto de outras pessoas, surgindo com um sorriso perturbador, desde que testemunhou um suicídio, e então também se suicida durante a sessão com Cotter. A visão do rosto mutilado, ensanguentado e com um sorriso estampado da jovem perturba a doutora, e é que o diretor também deseja que fiquemos na cabeça. Através do contato com Joel (Kyle Gallner), uma investigação é iniciada, e ao descobrir um padrão de mortes brutais, a protagonista descobre ser a próxima da lista a enfrentar essa força diabólica que só ela poderá ver de forma visível.


Traçando uma leitura sobre saúde mental, o filme faz do evento traumático com o suicídio, a manifestação de uma maldição sobrenatural, seguindo à risca uma fórmula já batida, onde temos a perseguição implacável da morte iminente, como popularmente apresentado em Premonição (2000). Com esse leque de elementos previsíveis (maldição, trauma e força maligna), e tendo tantas possíveis referências prévias, sendo mais curiosa a de Argento com Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (1971), Sorria encontra uma forma de ser inventivo, e isso pela capacidade de direção de Finn, se espelhando bastante em exemplares de diretores do cinema independente da última década, como Ari Aster (Hereditário) e David Robert Mitchell (Corrente do Mal), optando por enquadramentos com ares majestosos com a noção de espaçamento, planos aéreos que passeam pelo ar de cabeça para baixo, e um planejamento cuidadoso em criar jumpscares, atendendo o apelo em filmar cenas desconcertantes. O controle de ambiente com a direção de arte se diverte, inserindo jogo-xadrez e imagens que ilustram confusão e perturbação mental espalhadas por todo o longa.


Sosie Bacon (de Charlie Says e a série Mare of Easttown), tem uma performance bastante elogiável, observando o curso da ação com o passar dos dias, e o cansaço e aflição ficando cada vez mais visíveis em sua feição. Uma cena na festa de aniversário do sobrinho, na casa da irmã Holly (Gillian Zinser), se destaca pela proporção que atinge com a violência visual abrupta. Também é um ponto chave por ficarmos por trás da linha de desconfiança dos outros personagens, que começam a vê-la como louca. A passagem de Caitlin Stasey na abertura, também é considerável, não somente por apresentar o primeiro grande momento de horror, mas por sabermos que Sorria funciona como uma extensão do curta de Finn, Laura Hasn't Sleep (2020), que relata um evento anterior com a personagem.


A jornada de Rose se resume em enfrentar o trauma de sua infância, e o último ato é centrado no confrontro com o grande demônio que a segue por toda sua vida, revivendo a primeira experiência de sofrer um grande choque emocional. Parece haver muito mais por trás da entidade sobrenatural, que aparece de repente através de visões, que acontecem como se fossem reais para suas vítimas, e o roteiro de Finn, no entanto, prefere manter o mínimo de informações em seu decorrer de quase duas horas, deixando no ar sugestões para o público sobre o que especular sobre a forma como ela age, e de como a maldição não seria mera coincidência em testemunhar um ato de violência. O desfecho deixa uma sensação frustrante, mas em meio as diversas tentativas de fazer sucesso com filmes de terror semelhantes, é o que o diretor consegue fazer com esse mínimo que garante uma execução sólida, fazendo da fórmula barata um terror psicológico eficiente.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Significant Other (2022)


O temor pelo desconhecido habitável no outro semelhante, de forma tanto psicológica, como literal, é o combustível para a dupla de diretores, formada por Robert Olsen e Dan Berk (de Staķe Land II, 2016) em Significant Other, um produto com selo original do streaming dos estúdios Paramount. A escolha do título vem de um termo com interpretações que variam na língua inglesa, e não por acaso, a narrativa se resume em um jogo dúbio entre os personagens. 



O acampamento planejado por Ruth (Maika Monroe) e Harry (Jake Lacy), como um final de semana romântico na natureza, está prestes a ser arruinado, com o prenúncio do avistamento de uma estranha forma de cometa no céu, na abertura. Seguindo o curso por entre a mata fechada, primeiro vemos aos poucos a relação do casal ser abalada, por inseguranças e questões pessoais mal resolvidas, para então depois começamos a ver que não se trata de apenas um conflito aparente, mas que existe algo de muito errado se manifestando entre os dois, e então a paranóia é instalada. A direção se diverte em brincar com a estrutura, primeiro estabelecendo o campo dramático, trabalhando em ritmo sóbrio e devagar a interação entre eles, para então dar rumo a uma guinada absurda e completamente diferente, que acaba por ser muito bem-vinda, assumindo a identidade de horror.

Maika Monroe é um dos principais rostos do novo cinema independente, e tendo já trabalhado com a dupla de diretores anteriormente em Villains (2019), confiou no projeto a ponto de também financiá-lo como produtora. A atriz possui um apelo expressivo tremendo, que os dois seguem aproveitando, e se divertem, primeiro imitando o tipo de cinema que ela costuma estrelar, para então pouco a pouco, se demonstrar rapidamente ousado como um filme B de ficção científica. Dando continuidade ao que grandes exemplares do gênero, como O Enigma de Outro Mundo (1982), e Vampiros de Almas (1956) iniciaram.


Com falsas pistas e momentos de pura galhofa inesperada, os twists são acompanhados pela sagacidade da presença de Jake Lacy, que se diverte no papel deixando de ser um bobo sofredor pela amada, para se tornar um dos vilões mais carismáticos do ano. E com momentos de humor corporal impagáveis. Embarcar ou não, fica sempre cargo do telespectador, mas de forma despretensiosa é uma boa e curta surpresa.

Confira o Filme + Legenda

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteir...