Após o sucesso repentino de X, a A24 retorna com um novo exemplar que parece seguir a cartilha slasher. Morte, Morte, Morte (Bodies Bodies Bodies) surgiu de forma criativa durante o ano passado como um projeto realizado sob as limitações da pandemia, reunindo um elenco pequeno de estrelas em ascensão em um único cenário. Com a atriz holandesa, Halina Reijn (Instinto, 2019) assumindo pela segunda vez em sua carreira o posto de direção.
Começamos por testemunhar uma pontinha de insegurança sendo plantada na relação entre as jovens Sophie (Amandla Stenberg), e Bee (Maria Bakalova), nos minutos iniciais, antes de seguirem a estrada para uma reunião com os velhos amigos de Sophie. O resto do time de atores surge na tela sendo apresentados de forma bastante simbólica, em posições de cadáveres prestes a submergerem a água da piscina, da residência que pertence a família de David (Pete Davidson). O clima de ânimo parece propício para que Bee possa se integrar e se conectar com o grupo, mas não demora para que farpas venham à tona, por conta do passado de sua namorada. Na residência temos mais quatro pessoas: Alice (Rachel Sennott), com o namorado mais velho e hipster, Greg (Lee Pace), a namorada do anfitrião, Emma (Chase Sui Wonders), e Jordan (Myha'la Herrold). E antes do próximo amanhecer terão enfrentado a morte, ao iniciar a brincadeira que dá nome ao título, uma versão diferenciada dos clássicos jogos de detetive, enquanto uma forte tempestade se aproxima, que deixará o casarão escuro por toda a noite.
Com uma ação demarcada num período de 24 horas, tudo depende da interação entre o elenco. Reijn triunfa na forma como pretende aproveitá-los, sendo consistente em discurso, ainda assim o resultado é menos afiado do que se propunha inicialmente. A diretora havia anteriormente estabelecido uma visão firme e promissora em seu filme de estréia, que acabou sendo o representante da Holanda no Oscar 2020, e como atriz teve passagens por sets comandados por grandes diretores como Paul Verhoeven e Alex van Warmerdam. Sua experiência é nítida, e é o que lhe permite que não caia facilmente na armadilha de sobrecarregar sua narrativa com textos mega expositivos, personagens de arquétipos superficiais e irritantes, que costumam ser metralhadoras de referências à cultura pop, seguindo à risca o termo "white people problems", mesmo que esteja na intenção satirizar e causar instabilidade na confortável posição de alto status social em que se encontram presentes os personagens aqui, representantes da geração millenial sexualmente fluída.
O roteiro da dramaturga, Sarah DeLappe, que é baseado numa história criada por Kristen Roupenian, é eficaz em contornar a discussão sobre masculinidade tóxica, planejando sacadas espertas que esperam por serem reveladas até a cena final. A tensão é instalada gradualmente, com atos de violência sendo cometidos no decorrer dentro da residência mal iluminada, com um bom trabalho de direção de arte e fotografia, mas não a ponto de aproveitar muito do potencial de criar confusão e atingir níveis de insanidade ainda maiores. E se tudo não vai tão a fundo na loucura, o texto sabe defender o subtexto de cada personagem, que atravessa a superfície em momentos pontuais de tensão, quando o que está em jogo é a confiança entre eles. Nesse ambiente é divertido ver como pretende abalar a dinâmica entre as jovens: enquanto o ódio entre os homens é definido desde os primeiros instantes, as intrigas femininas precisam serem reviradas com pontas de faca, quase num sentido literal, para virem à tona. Maria Bakalova, Amandla Stenberg e Myha'la Herrold formam a combinação mais poderosa em cena. É uma dinâmica funcional, e após os créditos podemos ver como foi uma experiência divertida para os envolvidos na produção, mas que pode está fadado a ser um produto de efeito passageiro e momentâneo, não deixando maior impacto quando tudo se resume a um ato de estupidez. Morte, Morte, Morte está mais próximo da identidade de whodunit do que slasher, só para esclarecer como o marketing tem sido vendido. E como incursão por esse gênero, mesmo que garanta altas risadas se consumido desprentensiosamente, é inferior se comparado a outros feitos anteriores nele. Não é o melhor investimento de uma produtora como a A24 este ano, mas ainda pode ser aproveitável para a temporada de Halloween, que ainda espera por grandes títulos aparecerem.
Bodies Bodies Bodies pode ser visto legendado aqui.
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