A véspera de Natal se aproxima, e não poderia deixar de falar do lançamento mais encantador, por oferecer coração para esta época tão estimada, e ao mesmo tempo tão "cristã" como... sim, Pinóquio por Guillermo Del Toro. O personagem de origem italiana, datada no século XIX, no livro de Carlo Collodi, tem ganhado diversas novas adaptações para as telas nos últimos três anos, como o live-action dirigido por Roberto Benigni, e há uns meses atrás, o encomendado pela Disney, dirigido por Robert Zemeckis; embora não as tenha conferido, a produção em stop-motion da Netflix em parceria com o diretor mexicano, poderia ser afirmada como a versão definitiva da história do menino de madeira.
Antes de mais nada, é preciso fazer a pergunta: por que Del Toro estaria tão interessado numa história para crianças? Ora, a resposta é a mais simples, aquela encontrada nos elementos mais explícitos dos seus grandes sucessos: o fascínio pelo mundo fantástico do imaginário infantil, e outra interligação importante, que deixarei no final do texto. Sempre houve muita paixão transmitida nos mundos mágicos que concebeu, tal como nos olhos brilhantes de uma criança sonhadora, e aqui adianto a resposta para tamanho sucesso do seu Pinóquio: ao contrário de máquinas multimilionárias de panfletagem de falsos sonhos, aventuras e lucros com brinquedos, não há rodeios na forma que Del Toro se dirige aos pequenos, apresentando uma jornada honestamente tão doce, como brutal. Contextualizado na Itália antes, e durante a Segunda Guerra Mundial, a tragédia demonstra ter os pés fincados na vida do mestre carpinteiro, Geppetto (David Bradley), quando um bombardeio incidental na igreja do povoado onde vive, vitimiza seu tão amado filho, Carlo (Gregory Mann).
A dor no ritual de luto, tão inconformado ao confrontar uma grande árvore na tempestade, o conecta na mesma noite com o clássico narrador, o Grilo Falante Sebastian (Ewan McGregor), e os espíritos da floresta, que o concedem o clamor de poder ter o filho de volta. Ao criar o boneco de madeira, a Fada Azul (Tilda Swinton) lhe dá o sopro de vida, enquanto o Grilo serve como testemunha de tamanho milagre mágico. Pinóquio (também dublado por Mann), é um menino de natureza impulsiva, pelo anseio de compreender o mundo ao redor, e receber o amor do pai. A tremenda admiração por ver uma criação de madeira falar, e andar como um ser humano, logo gera uma reação perplexa na comunidade do povoado, com fundamentos religiosos, e de preocupação pelas autoridades armadas. O que atrai a atenção do falsário apresentador de circo, Raposa (Christoph Waltz), e o líder oficial facista, Podestà (Ron Perlman), que o colocarão em apuros, o levando de encontro com a Morte (Swinton novamente).
A relação paternal com o carpinteiro segue sendo o grande vínculo narrativo, como uma bela lição sobre reaprender a amar, e dois arcos aumentam a experiência da já conhecida aventura de Pinóquio: A amizade conquistada de Candlewick (Finn Wolfhard), aspirante a fascista; e o laço com o macaco do explorador, também vítima da vigarice do dono, Spazzatura (Cate Blanchett). Assim como se inseriu dentro de um orfanato no cenário da Guerra Civil Espanhola em A Espinha do Diabo (2001), e na Segunda Guerra Mundial em Labirinto do Fauno (2006), a crítica ao fascismo de Del Toro para as forças italianas garante momentos nada ingênuos, onde o perigo da encenação com armas, se dirige diretamente a estratégia da propaganda militar e o dever de cumprimento nacionalista, responsáveis por levar milhões de jovens para uma marcha da morte.
Del Toro não estaria reinventando, mas sim, reaproveitando todos os indícios que estavam bastante nítidos na criação literária de Collodi, e que agora são mais que perceptíveis para mim na fase adulta, que apontam a fonte de crença bíblica. A começar por Geppetto, nome que seria o diminutivo de Giuseppe, José em italiano, e a extraordinária transposição na descrição visual de anjos na Fada Azul e a Morte (essa descoberta foi apontada pelo meu único leitor, Felipe). E também como não enxergar Pinóquio, em paralelo como o filho do divino, ao ser como um objeto de expiação para as apresentações do circo, que arrancaram o direito sobre sua própria imagem? A força emocional do filme no desfecho reside numa mensagem sobre o efeito da passagem do tempo, a finitude da vida, e aí está o reencontro do diretor 29 anos depois, com seu tema mais caro: A eternidade buscada pelo vendedor de antiguidades em Cronos, seu filme de estréia. Pinóquio é o grande retorno ao tema de origem que lançou o tão adorado diretor mexicano, ao dar a tão famosa fábula, a mais rica leitura mítica, unindo o confronto da religião com o horror da Guerra, e a contraposição da maldade humana com os grandes princípios adquiridos no amadurecimento dos personagens, no aconchego do amor nos mais próximos, enquanto esta vida durar.