terça-feira, 31 de janeiro de 2023

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteirar do mundo, e a realidade à nossa volta, ainda assim posso dizer, que o que busco no cinema é uma completude, o "eu mesmo". Cinema pode ser sobre "olhar para fora", mas também, algumas narrativas conseguem me fazer sentir como se tivesse "olhando para dentro". O tipo de experiência que em busca, parece escassa. O cansaço e a "falta de vida" se apoderaram de mim em 2022, e como reflexo, meus sentidos para o cinema também parecem ineptos. O cinema envelheceu, e perdeu a forma? Ou minha visão que envelheceu, e perdeu o brilho?

Em 2022, a parte quebrada do meu coração foi reparada, mas ainda assim, minha vida continuou um desastre. Como resolver toda a bagunça?

...

Isso tudo é um esforço inútil, um amontoado de palavras enferrujadas, e mal empregadas? Uma imitação por alguém sem o mesmo talento, daqueles que tem a habilidade de adentrar, e expurgar o cinema?

...

Para aonde irá a vida? 

Não sei.

Esse post deveria ter sido realizado em 31 de Dezembro, exato um mês depois, ainda estava por aqui nos rascunhos. A cada vez que tentava escrever, a vida me impedia, e a minha cabeça se perdia. Ainda assim, estará aqui um resumo das minhas percepções à respeito do cinema ano passado.

Se o resultado será visto como ruim, pedante, vago... Quem se importa?

A seleção considera apenas títulos exclusivamente lançados em 2022:

Aftersun (dir. Charlotte Wells)


O som da reprodução das gravações de um miniDV, seguido pelo primeiro vislumbre de Sophie (Frankie Corio) e Callum (Paul Mescal), enquanto que em meio às imagens com falhas pixeladas, uma mulher surge em meio a multidão escura que se revela por flashes de luz... Os primeiros minutos de Aftersun já nos inteiram do 'todo' que resume Aftersun, Charlotte Wells expressou verdadeiros fragmentos de memória, por onde se é possível revisitar e continuar descobrindo mais e mais, da ordinária e fantástica viagem entre pai e filha. Um tiro certeiro no coração. Um retrato do se afogar na depressão. Uma vontade gigantesca de abraçar, e se apegar ao momento, ao agora, alcançar o antes... Enquanto é possível. Enquanto durar.

X (dir. Ti West)

Ti West divaga sobre a morte, o envelhecimento, e a indústria pornô, como resposta para dar continuidade ao estrelato daqueles que querem alcançar seus sonhos. Não é transgressor como um verdadeiro filme setentista, mas uma bela amostra de como reinterpretar o espírito da época.

Holy Spider (dir. Ali Abbasi)

Uma afronta, puramente sátirica em prol de ilustrar uma sociedade religiosa e patriarcal, dominada por preceitos morais, que são perpetuados e estimulados distorcidamente de tal forma, que já engoliram todo o senso comum, de se olhar para o próximo como um ser humano, e não com um olhar apedrejador de carrasco.

Stars at Noon (dir. Claire Denis)

O grande exemplar sobre como fazer um registro de dois corpos em tensão sexual, e em perigo, como elementos fluentes do extra-campo. É sobre intimidade, jogo de sedução, dúvidas, e também sobre como Trish (Margaret Qualley) e Daniel (Joe Alwyn) são moedas físicas de escambo num mundo atual, que parece abandonado nas questões de civilidade, e muito lembra uma hostil colônia imperialista, que não teme por derrubar seus cidadãos, que clamam por libertação.

The Fire Within: A Requiem for Katia and Maurice Krafft (dir. Werner Herzog)

A única e mais inacreditável ópera vulcânica.

I Love My Dad (dir. James Morosini)


James Morosini interpreta a si mesmo nesta dramatização de uma absurda história real de catfish entre pai e filho, nos colocando diante de conhecidas dores familiares. 

Funny Pages (dir. Owen Kline)


Anárquico, obsceno e irreverente como comédia emulando o tipo de encenação porca e barata. Owen Kline nos oferece uma jóia, indo além do que é conhecido como "cinema independente americano".

Riget: Exodus (dir. Lars von Trier)


Tratemos como evento cinematográfico, aquilo que sempre foi avaliado como tal. Lars von Trier retomou a sua famosa série de TV, ao mesmo tempo que se reuniu com Bodil Jörgensen, para entre muitas coisas, discutir o cancelamento de sua persona de uma maneira mais divertida, do que esperado.

Pinóquio (dir. Guillermo Del Toro)


Não! Não Olhe! (dir. Jordan Peele)

Uma excitação frenética percorre o novo filme de Peele, que rodeia um evento fantástico em torno de uma criatura misteriosa nos céus, com personagens que assumem o protagonismo que não lhes foi dado crédito anteriormente na indústria. O grande exercício de metalinguagem em 2022.

Viens Je t'emmene (dir. Alain Guiraudie)

Guiraudie vai deturpando os códigos morais e civis para debater sobre a civilidade; um problema de condomínio ilustra o problema de toda a nação francesa, atualmente em um termo indefinido com a xenofobia e os crescentes casos de terrorismo.

Resurrection (dir. Andrew Semans)



As Bestas (dir. Rodrigo Sorogoyen)

Quando os códigos morais e a civilidade são colocados a prova, neste thriller dramático sobre tensão xenofóbica elevado às alturas, até as últimas consequências, que Sorogoyen de alguma forma consegue dar continuidade quando parece ser o fim da linha.

R.M.N. (dir. Christian Mungiu)

Assim como o anterior, é uma amostra explosiva das transformações de uma herança primitiva e hostil na Europa atual.

Godland (dir. Hylnur Pálmason)

Um filme sobre o embate do homem, contra ele mesmo, em uma leitura sobre a terra como herança à preço de sangue em nossa civilização.

Adult Swim Yule Log (dir. Casper Kelly)



Era Uma Vez Um Gênio (dir. George Miller)

Unrueh (dir. Cyril Schäublin)

O desejo pela anarquia e o tempo registrados em um filme formidável, e contrário à toda linha de cinema atual.

Berdreymi (dir. Guðmundur Arnar Guðmundsson)


A velha história sobre violência juvenil, entre vítima e praticantes de bullying sendo recontada sobre a beleza de uma lente inspirada.

Terrifier 2 (dir. Damien Leone)


Leone em meio a rotulação excessiva, e ambiciosa (afinal são mais de duas horas dedicadas a jornada do palhaço assassino, perseguindo dois jovens irmãos por motivo nenhum), garante momentos de pura excelência como artsy horror e gore confeccionado.

Feed Me (dir. Richard Oakes)

Continuando a falar de horror gráfico e visceral, Feed Me é o mais torpe em humor, em meio a uma relação sádica entre canibal e comida (!!!).

Darlings (dir. Jasmeet K Reen)

A violência doméstica, e a ramificação de veias complexas na Índia, que estimula a velha ordem de gênero (o homem a força dominante, e mulher submissa em casa) sendo belamente dramatizada na estréia da diretora Jasmeet K Reen. Lágrimas, risos, vingança e um pouco de esperança à frente.

Aisha (dir. Frank Berry)

Frank Berry resgatando o toque humano, sutil e gentil para as tantas violências que os imigrantes, e refugiados sofrem hoje pela Europa.

The Banshees of Inisherin (dir. Martin McDonagh)


En Corps (dir. Cédric Klapisch)

Nocebo (dir. Lornecan Finnegan)

Fez de uma esquisitice repugnante visual um atributo, com diversas cenas desconfortáveis, envolvendo alucinações, deformidades físicas e animais e insetos assumindo papéis místicos assustadores, onde nessa narrativa "acreditar é importante", como bem dito por uma das personagens.

The Silent Twins (dir. Agnieszka Smoczynska)

My Small Land (dir. Emma Kawawada)


Cinco Lobitos (dir. Alauda Ruiz de Azua)

Totsukuni No Shojo (dir. Yutaro Kobo, Satomi Maiya)

Catherine Called Birdy (dir. Lena Dunham)

O filme para a Bella Ramsey brilhar, antes de The Last of Us. E que deveria ser o início de muitas outras aventuras dela como a Passarinha . 

Significant Other (dir. Robert Olsen, Dan Berk)

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (dir. Daniel Schneirt, Daniel Kwan)

Bros (dir. Nicholas Stoller)

Pearl (dir. Ti West)

Emily the Criminal (dir. John Patton Ford)

To Leslie (dir. Michael Morris)

Nada de Novo no Front (dir. Edward Berger)

A readaptação do clássico literário é ironicamente menos atentada em cutucar o mundo atual, e mais fiel em construir a traumática experiência nas trincheiras durante a guerra. Berger filma cenas dignas de pesadelos do embate homem versus homem. 

Os 4 Canalhas (dir. Timo Tjahjanto)

O melhor da violência caricatural tarantinesca em 2022.

Fire of Love (dir. Sara Dosa)

Passei Por Aqui (dir. Babak Anvari)

Nude Tuesday (dir. Armagăn Ballantyne)

Christmas Bloody Christmas (dir. Joe Begos)

Candy Land (dir. John Swab)

Devil's Workshop (dir. Chris von Hoffmann)

Le Pupille (dir. Alice Rohrwacher)



O Garoto, A Toupeira, A Raposa e o Cavalo (dir. Peter Baynton, Charlie Mackesy)

Lucy and Desi (dir. Amy Poehler)

RRR (dir. S.S. Rajamouli)

Tico & Teco: Defensores da Lei (dir. Akiva Schaffer)

Cha Cha Real Smooth (dir. Cooper Raiff)


TÁR (dir. Todd Field)

O Peso do Talento (dir. Tom Gormican)

Hypochondriac (dir. Addison Heimann)

Master of Light (dir. Rosa Ruth Boesten)

You Won't Be Alone (dir. Goran Stolevski)

Marte Um (dir. Gabriel Martins)

Um filme que, apesar dos pesares, compreende o sofrimento do brasileiro, da volta pra casa do trabalho, aos sonhos que são impedidos de alcançar. 

Sorria (dir. Parker Finn)

Close (dir. Lukas Dhont)

Argentina, 1985 (dir. Santiago Mitre)

Dual (dir. Riley Stearns)


Return to Dust (dir. Li Ruijun)


Um filme duro e cruel sobre as vítimas do atual mundo materialista na China, e a manutenção precária de vida daqueles que sobrevivem manuseando a terra em meio ao avanço tecnológico, de uma sociedade que lhes fez invisíveis. 

A Macabra Biblioteca do Dr. Lucchetti (dir. Paulo Biscaia Filho)


Slash/Back (dir. Nyla Innuksuk)

Sniper: The White Raven (dir. Marian Bushan)


1-800-Hot-Nine (dir. Nick Richey)

Good Luck to You, Leo Grande (dir. Sophie Hyde)

Uma aula de reeducação sexual, consequência do rígido ensino catolicista na Inglaterra filmada entre quatro paredes de um hotel. Só ferve de fato, nos momentos finais, mas há uma boa prosa trocada sobre experiências de vida antes, a respeito da diferença geracional.

Glorious (dir. Rebekah McKendry)

Blaze (dir. Del Kathryn Barton)

Corsage (dir. Marie Kreutzer)

O Território (dir. Alex Pritz)

The Eternal Daughter (dir. Joana Hogg)

Fogo-fátuo (dir. João Pedro Rodrigues)

La Caída (dir. Lucía Puenzo)

Floodlights (dir. Nick Rowland)

Good Night Oppy (dir. Ryan White)

Les Vedettes (dir. Jonathan Barré)

The Janes (dir. Tia Lessin, Emma Pildes)

The Girl from Dak Lak (dir. Pedro Román, Chi Mai)

Nana (dir. Kamila Andini)

O Exorcismo da Minha Melhor Amiga (dir. Damon Thomas)

The Last 10 Years (dir. Michihito Fujii)

Grand Jeté (dir. Isabelle Stever)

Tagurpidi torn (dir. Jaak Kilmi)

Clerks III (dir. Kevin Smith)

Tenéis que venir a verla (dir. Jonás Trueba)

Emily (dir. Frances O'Connor)

Cerdita (dir. Carlota Pereda)

A Love Song (dir. Max Walker-Silverman)

Arremessando Alto (dir. Jeremiah Zagar)

Shin Ultraman (dir. Shinji Higuchi)

O Predador: A Caçada (dir. Dan Trachtenberg)

Nothing Compares (dir. Kathryn Ferguson)

It Is In Us All (dir. Antonia Campbell Hughes)

Descendant (dir. Margaret Brown)

Don Juan (dir. Serge Bozon)

Peter Von Kant (dir. François Ozon)

Metal Lords (dir. Peter Sollett)

Coupez! (dir. Michel Hazanavicius)

Men (dir. Alex Garland)

Soft & Quiet (dir. Beth de Araújo)

The Immaculate Room (dir. Mukunda Michael Dewil)


Sobre tirar a prova o seu amor. Nem suspense, e nem romance. Talvez isso que defina os altos e baixos de um relacionamento?

Lou (dir. Anna Foerster)

Seria mais um exemplar de ação brucutu, previsível e com contornos irritantes, só não contavam que dessa vez teriam uma performer feminina com tanto coração a oferecer.

Sharp Stick (dir. Lena Dunham)

Lena Dunham em um nível de condescendência progressista ao extremo para discutir a liberação feminina. Um exemplar de percepção errônea que mostra como a capacidade de uma estrela pode sustentar tanto um argumento.

Crimes do Futuro (dir. David Cronenberg)

Pânico (dir. Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett)

O retorno da franquia conta com um bom elenco, com uma péssima utilização de personagens, sendo extremamente fragilizado pela mudança de direção, a não ser, pelo ato final, aonde a dupla melhor compreende o argumento autoconsciente deixado por Wes Craven e Kevin Williamson.

The House (dir. Paloma Baeza, Niki Lindroth von Bahr, Emma de Swaef, Marc James Roels)

In the Heart of Machine (dir. Martin Makariev)

Brian and Charles (dir. Jim Archer)

A Wounded Fawn (dir. Travis Stevens)

Watcher (dir. Chloe Okuno)


Studio 666 (dir. B.J. McDonnell)

The Novelist's Film (dir. Hong Sang-Soo)

The Batman (dir. Matt Reeves)

Triangle of Sadness (dir. Ruben Östlund)

El norte sobre el vacío (dir. Alejandra Márques Abella)

The Quiet Girl (dir. Colm Bairéad)

Los Agitadores (dir. Marco Berger)

Avec Amour et Acharnement (dir. Claire Denis)

A E I O U - Das schnelle Alphabet der Liebe (dir. Nicolette Krebitz)

Les Années Super 8 (dir. Annie Ernaux, David Ernaux-Briot)

O Monastério (dir. Bartosz M. Kowalski)

Morte, Morte, Morte (dir. Halina Reijn)

God's Country (dir. Julian Higgins)

Incroyable mais vrai (dir. Quentin Dupieux)

Red - Crescer é uma Fera (dir. Domee Shi)

Moonage Daydream (dir. Brett Morgen)

David Bowie, o mito transformado em dialética. Cinema criado a partir das suas próprias palavras, que não mergulha muito além das imagens de arquivo, para o interior de quem ele verdadeiramente deve ter sido.

A Garota da Foto (dir. Skye Borgman)

Não Se Preocupe, Querida (dir. Olivia Wilde)

Speak No Evil (dir. Christian Tafdrup)

Os últimos minutos mais revoltantes, dentro do filme de "tragédia anunciada" mais previsível e predestinada em 2022. Torturante nos bons, e maus sentidos.

Utama (dir. Alejandro Loayza Grisi)

Master (dir. Mariama Diallo)

O giallo não se mantém apenas em expressão fonética no nome da diretora, como é parte do espírito desse suspense/drama indefinível em direção sobre racismo, e magia.

Joyride (dir. Emer Reynolds)

Les enfants des autres (dir. Rebecca Zlotowski)

Tytöt tytöt tytöt (dir. Alli Haapasalo)

Brainwashed: Sex-Camera-Power (dir. Nina Menkes)

Babysitter (dir. Monia Chokri)

Além do Universo (dir. Diego Freitas)

Call Jane (dir. Phyllis Nage)

What We Leave Behind (dir. Illiana Sosa)

Matriarch (dir. Ben Steimer)

Three Months (dir. Jared Frieder)

(dir. Arie Posin)

Revealer (dir. Luke Boyce)

Moloch (dir. Nico van den Brink)

Sem Saída (dir. Damien Power)

Águas Profundas (dir. Adrian Lyne)

The Other Me (dir. Giga Agladze)

Amor com Fetiche (dir. Park Hyun-jin)

Syk Pike (dir. Kristoffer Borgli)

O Milagre (dir. Sebastián Lelio)

Em meio a narração metalinguística, se manteve pé no chão demais recontando uma história ordinária sobre religião e violência de gênero. Tá certo que ecoa muito na modernidade, mas não ousa em formato como prometido.

Alcarras (dir. Carla Simon)

American Carnage (dir. Diego Hallivis)

O terror sobre gente velha, com efeitos old school não colou tanto assim.

Tiny Cinema (dir. Tyler Cornack)


Uma coleção de seguimentos bizarros, repleta de perversões freudianas atrativas, mas com "pouco cinema".

Decisão de Partir (dir. Park Chan-Wook)

Skinamarink (dir. Kyle Edward Ball)

Joyland (dir. Saim Sadiq)

Os Fabelmans (dir. Steven Spielberg)

Convite Maldito (dir. Jessica M. Thompson)

Un été cinema ça (dir. Denis Côté)

Nanny (dir. Nikuatu Jusu)

(dir. Jennifer Kaytin Robinson)

Dead for a Dollar (dir. Walter Hill)

Noites Bárbaras (dir. Zach Cregger)

Paloma (dir. Marcelo Gomes)

Kika Sena é uma luz radiante, de presença gigante em um terrível show de torturas sobre a faceta de relato da dura realidade trans.

Breaking (dir. Abi Damaris Corbin)

Stay the Night (dir. Renuka Jeyapalan)

Occhiali Neri (dir. Dario Argento)

A grande volta do maior diretor italiano, não tem nada de grandiosa, enquanto o que há de melhor são as pequenas doses de afeto para com os personagens marginalizados.

Hatching (dir. Hanna Bergholm)

V/H/S 99 (dir. Johannes Roberts, Flying Lotus, Tyler MacIntyre, Maggie Levin, Joseph Winter e Vanessa Winter)

Apollo 10½ (dir. Richard Linklater)

La Nuit du 12 (dir. Dominik Moll)

Aavasavyuham (dir. Krishand)

Curioso uso do formato televisivo e jornalístico, com uma criação de mitologia de experimento de ficção científica, mas que não se sustém por muito tempo a partir da dramatização de eventos.

Ela Disse (dir. Maria Schreider)

Torn Hearts (dir. Brea Grant)

O Desconhecido (dir. Thomas M. Wright)

Satan's Slaves 2: Communion (dir. Joko Anwar)

The Lair (dir. Neil Marshall)

Spiderhead (dir. Joseph Kosinski)

Anything's Possible (dir. Billy Porter)

The Leech (dir. Eric Pennycoff)

Bitch Ass (dir. Bill Posley)

Bhoothakaalam (dir. Rahul Sadasivan)

Sublime (dir. Mariano Biasin)

The Cellar (dir. Brendan Muldowney)

Athena (dir. Romain Gavras)


Project Wolf Hunting (dir. Kim Hong-sun)

The Loneliest Boy in the World (dir. Martin Owen)

Alice (dir. Krystin Ver Linden)

In from the Side (dir. Matt Carter)

God's Creatures (dir. Anna Rose Holmer, Saela Davis)

Carvão (dir. Carolina Markowicz)

Nostalgia (dir. Mario Martone)

Gone in the Night (dir. Eli Horowitz)

Broker (dir. Hirozaku Koreeda)


Fresh (dir. Mimi Cave)

Chamas da Vingança (dir. Keith Thomas)


A Luz do Demônio (dir. Daniel Stamm)

Dear Zoe (dir. Gren Wells)

Bigbug (dir. Jean-Pierre Jeunet)

De openbaring (dir. Chris W. Mitchell)

Till (dir. Chinonye Chukwu)

Um dos casos mais chocantes, e importantes para entender a história da violência racial nos EUA, ganhou um horrendo retrato que suga a imagem do sofrimento de suas vítimas.

Blonde (dir. Andrew Dominik)

Eis o que você teria se o Harvey Weinstein fosse libertado da prisão, e tentasse se provar inocente através de um filme, filmando atrizes vítimas da indústria e produtores.

Pacifiction (dir. Albert Serra)

Bardo, ou Falsas Crônicas de Algumas Verdades (dir. Alejandro González Iñárritu)

Flux Gourmet (dir. Peter Strickland)

365 Dias: Hoje (dir. Barbara Białowas)


The Gray Man (dir. Anthony Russo, Joe Russo)

As cenas de Ryan Gosling e Ana de Armas em Blade Runner 2049, deixaram tamanha impressão para a comunidade cinéfila na década passada, que os Russo decidiram gastar milhões da Netflix, só para ligeiramente chegar perto de construir um momento plástico daqueles.

Les Passagers de la nuit (dir. Mikhäel Hers)

jeen-yuhs: A Kanye Trilogy (dir. Chike Ozah, Coodie Simons)

Os primeiros dois capítulos são uma valiosa documentação sobre quem Kanye West foi, enquanto o terceiro se perde em conexão tanto dos diretores com o próprio, junto a grande questão sobre quem ele se tornou hoje.

The Inspection (dir. Elegance Bratton)

O Homem do Norte (dir. Robert Eggers)

A ferocidade e o fascínio mitológico de Eggers, indo de encontro a vingança viking aproximada a origem de Hamlet. Desses filmes que nem quis fazer parte da discussão, o que é aproveitável, é aproveitável.

Werewolf by Night (dir. Michael Giacchino)

"Uma produção fora da caixinha" da Marvel, como estréia de renomado compositor, que não pensa muito além do visual plástico.

Sick (dir. John Hyams)

Home invasion nos tempos de pandemia, que leva ao pé da letra o que também seria "o horror nos tempos de pandemia". Tem o melhor do que se via há 20 anos atrás, em slashers curtos e sangrentos, mas eficientes o suficiente para nos colocar dentro da narrativa, como também as piores características, como uma motivação mal desenvolvida.

Armageddon Time (dir. James Gray)

Esse só pode ser resumido em linguagem de usuário de Twitter. James Gray em sua autobiografia ficcional, nos choca pela visão de consciência em posição de homem branco privilegiado.

Até os Ossos (dir. Luca Guadagnino)

Uma mistura pop de amor e canibalismo, que oferece o que seria possível desses elementos.

EO (dir. Jerzy Skolimowski)

Skolimowski em homenagem ao amor para o Balthazar de Robert Bresson, esquece de contornar a truculência presente na linguagem violenta de seu cinema moderno. Uma jornada pela Europa atual sem magia, ou empatia.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Pinóquio por Guillermo Del Toro (2022)


A véspera de Natal se aproxima, e não poderia deixar de falar do lançamento mais encantador, por oferecer coração para esta época tão estimada, e ao mesmo tempo tão "cristã" como... sim, Pinóquio por Guillermo Del Toro. O personagem de origem italiana, datada no século XIX, no livro de Carlo Collodi, tem ganhado diversas novas adaptações para as telas nos últimos três anos, como o live-action dirigido por Roberto Benigni, e há uns meses atrás, o encomendado pela Disney, dirigido por Robert Zemeckis; embora não as tenha conferido, a produção em stop-motion da Netflix em parceria com o diretor mexicano, poderia ser afirmada como a versão definitiva da história do menino de madeira.

Antes de mais nada, é preciso fazer a pergunta: por que Del Toro estaria tão interessado numa história para crianças? Ora, a resposta é a mais simples, aquela encontrada nos elementos mais explícitos dos seus grandes sucessos: o fascínio pelo mundo fantástico do imaginário infantil, e outra interligação importante, que deixarei no final do texto. Sempre houve muita paixão transmitida nos mundos mágicos que concebeu, tal como nos olhos brilhantes de uma criança sonhadora, e aqui adianto a resposta para tamanho sucesso do seu Pinóquio: ao contrário de máquinas multimilionárias de panfletagem de falsos sonhos, aventuras e lucros com brinquedos, não há rodeios na forma que Del Toro se dirige aos pequenos, apresentando uma jornada honestamente tão doce, como brutal. Contextualizado na Itália antes, e durante a Segunda Guerra Mundial, a tragédia demonstra ter os pés fincados na vida do mestre carpinteiro, Geppetto (David Bradley), quando um bombardeio incidental na igreja do povoado onde vive, vitimiza seu tão amado filho, Carlo (Gregory Mann).

A dor no ritual de luto, tão inconformado ao confrontar uma grande árvore na tempestade, o conecta na mesma noite com o clássico narrador, o Grilo Falante Sebastian (Ewan McGregor), e os espíritos da floresta, que o concedem o clamor de poder ter o filho de volta. Ao criar o boneco de madeira, a Fada Azul (Tilda Swinton) lhe dá o sopro de vida, enquanto o Grilo serve como testemunha de tamanho milagre mágico. Pinóquio (também dublado por Mann), é um menino de natureza impulsiva, pelo anseio de compreender o mundo ao redor, e receber o amor do pai. A tremenda admiração por ver uma criação de madeira falar, e andar como um ser humano, logo gera uma reação perplexa na comunidade do povoado, com fundamentos religiosos, e de preocupação pelas autoridades armadas. O que atrai a atenção do falsário apresentador de circo, Raposa (Christoph Waltz), e o líder oficial facista, Podestà (Ron Perlman), que o colocarão em apuros, o levando de encontro com a Morte (Swinton novamente).

A relação paternal com o carpinteiro segue sendo o grande vínculo narrativo, como uma bela lição sobre reaprender a amar, e dois arcos aumentam a experiência da já conhecida aventura de Pinóquio: A amizade conquistada de Candlewick (Finn Wolfhard), aspirante a fascista; e o laço com o macaco do explorador, também vítima da vigarice do dono, Spazzatura (Cate Blanchett). Assim como se inseriu dentro de um orfanato no cenário da Guerra Civil Espanhola em A Espinha do Diabo (2001), e na Segunda Guerra Mundial em Labirinto do Fauno (2006), a crítica ao fascismo de Del Toro para as forças italianas garante momentos nada ingênuos, onde o perigo da encenação com armas, se dirige diretamente a estratégia da propaganda militar e o dever de cumprimento nacionalista, responsáveis por levar milhões de jovens para uma marcha da morte.

Del Toro não estaria reinventando, mas sim, reaproveitando todos os indícios que estavam bastante nítidos na criação literária de Collodi, e que agora são mais que perceptíveis para mim na fase adulta, que apontam a fonte de crença bíblica. A começar por Geppetto, nome que seria o diminutivo de Giuseppe, José em italiano, e a extraordinária transposição na descrição visual de anjos na Fada Azul e a Morte (essa descoberta foi apontada pelo meu único leitor, Felipe). E também como não enxergar Pinóquio, em paralelo como o filho do divino, ao ser como um objeto de expiação para as apresentações do circo, que arrancaram o direito sobre sua própria imagem? A força emocional do filme no desfecho reside numa mensagem sobre o efeito da passagem do tempo, a finitude da vida, e aí está o reencontro do diretor 29 anos depois, com seu tema mais caro: A eternidade buscada pelo vendedor de antiguidades em Cronos, seu filme de estréia. Pinóquio é o grande retorno ao tema de origem que lançou o tão adorado diretor mexicano, ao dar a tão famosa fábula, a mais rica leitura mítica, unindo o confronto da religião com o horror da Guerra, e a contraposição da maldade humana com os grandes princípios adquiridos no amadurecimento dos personagens, no aconchego do amor nos mais próximos, enquanto esta vida durar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Até os Ossos (2022)


À essa altura, desde a estréia no Festival de Veneza em Setembro, tudo que havia para ser falado sobre Até os Ossos/Bones & All foi discutido. O apontamento da leitura unilateral seria, inclusive, o ponto mais negativo do novo filme de Luca Guadagnino, adaptado do livro homônimo, da autora Camille DeAngelis. Se é verdade, ou não, nem estou interessado em prolongar a discussão.

Como a maioria das produções americanas, o mais interessante nesse road movie canibal, é o punhado de referências. Filmado pelos Estados de Kentucky, Ohio, Indiana e Nebraska, com ambientação nos anos 80, o encontro fatídico entre os jovens, Mauren (Taylor Russell) e Lee (Timothée Chalamet), que compartilham em comum uma inexplicável fome por carne humana, assim como uma paixão crescente, é facilmente associável ao encontro de Caleb e Mae, no cult de vampiros, Quando Chega a Escuridão (1987), da diretora Kathryn Bigelow, que de mesmo modo, era uma sombria volta pelos cenários noturnos desolados das regiões pequenas nos Estados Unidos. A inspiração não seria surpresa sabendo como Guadagnino era amigo de Bill Paxton, que fora um dos atores destaques da produção. Incluindo uma dedicatória à ele no seu tão badalado, Me Chame Pelo Seu Nome (2017).

Quando segue sem rumo, após o pai, Leonard (André Holland) abandoná-la, Maureen é interceptada por um estranho, Sully (Mark Rylance), que se apresenta como um ser igual a ela, vindo a oferecer uma senhora desfalecendo, como refeição pela manhã seguinte. Os trejeitos do personagem chamam bastante atenção, com intenções dúbias, vindo a figurar a posição de grande vilão da trama. E é difícil não enxergar Rylance, como o ator ideal para encarnar os próximos vilões nas adaptações posteriores de Stephen King. Inclusive, Holland estrelou a ambiciosa série da Hulu, Castle Rock que reunia um conjunto do universo do autor. Muito do conflito canibalístico, relembra Doutor Sono, publicado em 2013, com a trupe da cartola que vitimava crianças com habilidades paranormais, com um modus operandis semelhante aos ritos das criaturas famintas retratadas aqui. Como dita a passagem com a participação do diretor David Gordon Green, aonde seu personagem revela como a experiência de se alimentar até os ossos de um corpo, é transcendental para eles.

A dissolução da estética granulada setentista, não é surpresa, tendo visto Suspiria (2018), mas o que chama atenção, logo na sequência de abertura, é como parece bastante influenciado pelos exemplares da francesa, Julia Ducournau (Titane e Raw). Isso segue em frente em todas as cenas gráficas, extremamente estilizadas, quando os amassos calientes da dupla protagonista, e a profusão de sangue, jorram presentes. Pedaços da carne sendo mordidos, assim como closes de corpos, ou rostos ensanguentados se repetem, também conservando em segundo plano, leituras de gênero, sexualidade e, o não pertencimento, tão costumeiros nos longas franceses da diretora. Uma cena brutal ocorre em meio a ação de um encontro às escuras, numa pegação entre o personagem de Chalamet, com outro homem em um milharal. Os dilemas morais presentes nesse ato de consumir pessoas, passam frente aos nossos olhos, sem deixar muito o que mastigar, num misto de condenação e empatia. Sendo uma grande mistura do cinema pop americano, com o provocativo do cinema europeu.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

A Wounded Fawn (2022)


O ato de repassar por gerações através da oratória mitos e lendas, é uma das características que mais remetem a Grécia. Tanto o patrimônio intelectual, por serem a primeira civilização a desenvolver uma escola para o raciocínio, como a mitologia fundada por eles seguem sendo as mais influentes no mundo, ganhando novas leituras pelas novas gerações. Algumas das que continuamente despertam o interesse público, são as que exemplificam a relação entre poder e abuso por deuses, e outras figuras míticas, para com o gênero feminino. A Medusa violada por Poseidon, e o registro da tentativa de fuga do coito forçado por Apollo contra Daphne, são uns dos principais exemplos. Mas o que diabos isso tem a ver com o novo lançamento da Shudder??


Em 2019, Ryan Stevens (Jakob's Wife, 2020) realizou A Garota do Terceiro Andar, um dos mais inventivos filmes sobre casas assombradas nos últimos anos, mesmo sem um bom consenso de aceitação por parte dos telespectadores, pela linguagem visual que manifestava o paranormal de forma agressiva e repulsiva, com discursos que soaram desagradáveis à respeito da violência feminina. O certo é, como um novo diretor que filma "coisas estranhas", com baixíssimo orçamento, ele ganhou destaque, e segue em atividade chamando atenção, o que nos leva a este novo lançamento.

O grande número de primeiros encontros que deram errado, alguns deles vindo a parar em noticiários na TV, devem ter sido a base para Stevens colocar o cérebro para funcionar, e imaginar o mais surreal dos cenários. A Wounded Fawn acompanha Bruce (Josh Ruben), um aparente homem de negócios, e também interessado em comercializar e consumir arte, em um leilão de uma peça única, que esculpe uma cena da mitologia grega, e quando não consegue arrematá-la, vai atrás de seduzir a compradora, Kate (Malin Barr), logo se revelando um serial killer fazendo a próxima vítima. Mais tarde, atrai a atenção de Meredith (Sarah Lind), que trabalha em um museu, e quando surge uma atração imediata entre os dois, a convida para um encontro em sua casa numa região afastada. A mulher nota indícios suspeitos, até quando no jantar acredita ter visto alguém do lado de fora do local, o que não a permite seguir a noite de forma tranquila, quando finalmente ocorre um confronto com a identidade de assassino do homem, um momento de ruptura se inicia para ele. A escultura do momento inicial, que exibe As Erínias, é o objeto que define todo o curso para Bruce em A Wounded Fawn. Na mitologia grega, As Erínias eram três personificações da vingança, composta por Megera, Tisífone e Alecto, que iam em busca do acerto de contas com os humanos.

Quando Bruce acorda na poça do próprio sangue, se vê diante de um purgatório delirante de onde não consegue escapar. O roteiro escrito por Stevens, com Nathan Faudree coloca em ação a transposição de uma tragédia grega, como os círculos do Inferno de Dante. É uma questão de tempo para as Erínias fazerem o julgamento, e o que está em jogo é a reparação e expiação por questões de gênero. Meredith desaparece quando assume um novo papel nesse cenário, e a violência praticada contra mulheres se volta contra o assassino. Para ele é como presenciar um sonho ruim de onde se não consegue acordar. 


Filmado em película de 16mm, como exemplares do cinema arthouse estrangeiro, o modo da direção em utilizar expressões, máscaras e símbolos para ilustrar a natureza do tormento do personagem são bem colocados num primeiro momento, afinal, é a curiosidade em se ver reaproveitada uma premissa que se tornou bastante previsível, que faz do filme instigante. O título, que em tradução literal seria "Um Cervo Ferido", imediatamente remete a um outro capítulo da história grega. Mas Stevens está mais interessado em usar dos argumentos para criar uma bad trip em estilo, do que ir um pouco mais a fundo na mitologia. Inclusive sequer é possível encontrar entrevistas suas aonde relate alguma admiração por ela, sendo apenas fruto do roteiro de Faudree. De qualquer modo, a repetição dessa encenação se torna limitada conforme se prolonga, resultado da exposição que cai na obviedade, e Sarah Lind poderia ter mais aproveitamento para um confronto mais satisfatório na reta final. É Josh Ruben que se sai melhor sucedido, tendo um ponto melhor articulado como o protagonista Bruce, quando reduzirmos toda a interpretação aos seus sentidos confusos diante de toda a viagem da proposta. No final das contas, é a tentativa de criatividade com esse elementos, na forma de filme de terror que fica na memória, e atrai o público curioso, que pode encontrar o que procura em doses ácidas.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Um Lugar Chamado Dignidade (2021)


Um dos fatos que deveriam ser mais comentados nas aulas de História, é que com o fim do Terceiro Reich (1933 - 1945) na Segunda Guerra Mundial, milhares de oficiais do comando nazista fugiram e se abrigaram na América Latina. Josef Mengele (1911 - 1979) e Franz Stangl (1908 - 1971), conhecidos respectivamente como "Anjo da Morte", e "Morte Branca", são alguns dos mais notórios que estiveram em território nacional. Um dos nossos países vizinhos, o Chile, foi outro conhecido local de destino procurado pelos alemães, que sob a ditadura de Pinochet, conhecido abertamente como um apoiador da causa nazista, conseguiram permanência favorecida, como o ocorrido com Walter Rauff (1906 - 1984). É neste cenário que é preciso contextualizar Um Lugar Chamado Dignidade/Un Lugar Llamado Dignidad (2021), produção chilena dirigida por Matías Rojas (Root, 2013), que retrata eventos relacionados à estes, e recentemente chegou ao catálogo da HBO em outros países.


Em 1989, ano anterior ao fim da ditadura no Chile, após um incidente, Pablo (Salvador Insunza), um garoto de 12 anos é mandado para uma comunidade rural, promovida como "o orgulho alemão" na região do Maule, como recomendação do pastor da igreja que ele e a mãe, Cecília (Gianina Fruttero) frequentam, com a promessa de lhe trazer um futuro melhor, longe de habituais encrencas. Estamos falando da Colônia Dignidade, fundada em 1961, pelo ex-militar Paul Schäfer. Prévias informações podem auxiliar o telespectador a compreender de antemão o que está a ser retratado, no que vem a ser proposto como a adaptação mais fiel ao relatos obtidos sobre a Colônia no cinema.


Pablo conquista rapidamente a simpatia do líder local, o tio Paul (Hanns Zischler), que desenvolve grande interesse nos talentos do menino com a música, e o piano. A ordem no local é definida pelo estilo de vida que estimula, e ressalta a importância do trabalho pesado desempenhado pelos residentes, separados por gênero em seus aposentos, que vivem sob preceitos religiosos, que ditam rigidamente cada passo que deve ser dado por eles, em um processo de constante vigia, com intervenção de Paul. Todos na Colônia, vivem em função da Colônia. As crianças são parte fundamental da organização, tendo muitas delas nascidas ali, como Rudolph (Noa Westermeyer), que é invejado por todos os menores por ter chegado a posição de "Sprinter", nomeação dada por Paul, pelo aparente modelo exemplar do garoto, que assim ganha acesso a TV. O que se torna o objetivo de Paul, para receber tais regalias e favoritismo do militar. Em paralelo, a enfermeira Gisela (Amelia Kassai), segue cegamente os ensinamentos do líder, por almejar receber como presente divino um filho, com Johannes (David Gaete). Tentativas frustradas se acumulam para o casal, enquanto Pablo começa a criar suspeitas, e ao lado de Rudolph se une para confrontar a realidade sombria mascarada no ambiente, que vende a imagem de prosperidade e sucesso, tendo propagandas de alcance na rede nacional de TV, pela influência política alcançada com o apoio da ditadura.

O roteiro, também escrito por Matías elabora uma estrutura a partir da coleta de dados que se teve conhecimento público, a partir de uma série de investigações, envolvendo informações de desaparecimentos. Ao buscar tais relatos, é possível notar como é tão complementado pelos eventos que se sucederam, como as visitas de Augusto Pinochet que ocorriam no local, e as constatações chocantes sobre a função da Colônia. A sugestão do horror, tanto sobre as ações da ditadura, quanto da influência de ideais nazistas resulta na construção de uma atmosfera inquietante, que sabe se apresentar bem, dado a perturbadora história real escolhida. Nomes de diretores do cenário internacional como Arturo Ripstein (El Castillo de la pureza, 1972), Agustí Villaronga (Tras el cristal, 1986), e até mesmo, Guillermo Del Toro (A Espinha do Diabo, 2001) surgem como possíveis inspirações do diretor, pelas referências visuais e temáticas. No entanto, ainda é falho em execução, se por um lado, sabe tirar proveito das interações de Insunza com Zischler, como uma ilustração absurda da relação torpe entre "aprendiz e mestre", e a conexão criada com Noa, de suma importância para impactar o público mais tarde; ainda não eleva suficientemente o material, além de ser pouco interessado em explorar a importância do discurso religioso, para traçar uma linha com fanatismo e tentativa de lavagem cerebral dos residentes. Considerando certa influência das recentes ondas do cinema arthouse europeu, sublinha sobre os mesmos esquemas, se alinhando em concepção estética, pouco sabendo extrair uma força maior, sem encontrar rumo para uma resolução mais satisfatória, que segue uma cartilha previsível, que tira muito da tentativa de se criar autenticidade pela parte da direção.


Assim tendo uma passagem com uma fantasia do Krampus, figura maquiavélica natalina, e a tensão sexual, como tentativas vãs de criar clímax, sendo momentos de criação de choque que não são melhor amparadas pelo conjunto, mesmo que trauma e tortura sejam elementos automaticamente sugeridos. O elenco infantil é muito expressivo, e Hanns Zischler tem uma presença que relembra a de Udo Kier, pelo porte que emana uma energia nada confiável, e que acende as nossas luzes de "perigo", pena que tenha faltado saber usá-los de melhor forma para concluir este, que é um dos eventos mais silenciados, e ao mesmo tempo mais amedrontadores da história chilena. Uma sugestão de morte por exemplo, faz referência a um dos principais marcos da investigação do caso, mas acaba tendo vaga utilização, assim como núcleos paralelos mal fechados. A adoção de um tom de fábula, como se tivéssemos diante de uma história sobre a perda da inocência de Pablo, se perde por aí também, tendo um desfecho de execução automática que deixa bastante a desejar, e com pouco a se refletir após a sessão, ao contrário do esperado do que era possível se fazer com o potencial tremendo do realizador em mãos. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Nocebo (2022)


Uma das coisas que mais me fascinam no cinema, é a habilidade de reintegrar o papel do intruso no cinema de gênero. É possível datar este personagem narrativo desde o visitante de Terence Stamp em Teorema (1968), pelo início da observação da manifestação onipresente de tal figura, de suma importância para a ruptura e derrocada do núcleo familiar retratado por Pasolini. O "intruso" é uma das principais maneiras de se ilustrar no horror um inimigo tão antigo, quanto terreno: as forças malignas, que saiam das trevas para perturbar comunidades rurais no antigo imaginário inglês, e folclórico, e que de tal forma continua a ser reproduzido no ato de se contar histórias. Assim sendo, apontar um estranho como o portador do mal, seria uma das práticas mais primitivas do comportamento do homem, diante de questões que permanecem incompreensivas a ele. Continuamos a relembrar do uso do mal personificado na Senhora Baylock em A Profecia (1976), o Alan Bates como hóspede sexy em Estranho Poder de Matar (1978), até o bode Black Philip em A Bruxa (2015), a matriarca em Hereditário (2018) e Martin Lang em O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). O mal tem muitas faces, como já visto tantas vezes anteriormente, e como volta a provar o irlandês Lorcan Finnegan em Nocebo, sua nova empreitada numa co-produção entre Irlanda e Filipinas.

A narrativa adentra a rotina de Christine (Eva Green), uma designer de moda que tenta se estabelecer no mercado de trabalho, contudo sua vida é paralisada por uma notícia trágica, e o encontro estranho com um cão em estado debilitado, que lhe lança carrapatos como um cigano recitando uma maldição, a fazendo sofrer de males de saúde que não são diagnosticáveis. Tremedeiras, e lapsos de perda de memória passam a atormentá-la, a ponto de um dia receber uma empregada, Diana (Chai Fonacier) e sequer lembrar de tê-la contatado. Ao aceitá-la em sua casa, pela mulher oferecer ajuda, com tratamentos alternativos da cultura antiga das Filipinas, temos o início ao que será um jogo dúbio de percepção, para compreender e tentar estipular quais as reais intenções dela no local com a família.

Na residência, Christine convive de maneira conflituosa com o marido, Felix (Mark Strong), e a filha, Bobs (Billie Gadsdon), também de difícil temperamento. Diana surge como a resposta para a aflição da patroa, sabendo de maneiras inusitadas como conter os incômodos do seu corpo, assim como conquista a afeição de Bobs, que parece largada entre os problemas dos pais. A relação entre empregado e empregador, assim como o estilo de vida a que pertence Christine são alvos da visão estabelecida no roteiro escrito pelo colaborador frequente de Finnegan, Garret Shanley que alterna entre o viés psicológico e sobrenatural do horror proposto. A relação com a espiritualidade de Diana é a principal marca de sua identidade com a história do povo filipino. E através disso identificamos símbolos da natureza maléfica que ronda os personagens. A escolha do título, é um termo que seria o oposto de placebo, como um tratamento paliativo nocivo, que causa danos. Fazendo um paralelo com os cães vigias de Damien em A Profecia por exemplo, temos o cão cego e carregado de carrapatos que possui uma presença espiritual para a protagonista, a partir da abertura.

Em seu filme anterior, Viveiro (2019) o diretor cometia o erro com a representação do mal, através de um personagem que assumia uma função automática e vagamente explorada por ele, que comprometia muito o resultado final. Curioso como Lorcan Finnegan corrige totalmente isso em Nocebo, voltando a construção narrativa inteiramente para isso. O filme também segue a identidade de "cinema estranho" a qual ficou conhecido, fazendo de uma esquisitice repugnante visual um atributo, com diversas cenas desconfortáveis, envolvendo alucinações, deformidades físicas e animais e insetos assumindo papéis místicos assustadores, onde nessa narrativa "acreditar é importante", como bem dito por uma das personagens. O mesmo pode ser usado para descrever o também impressionante Resurrection, comentado no blog. 

A personagem de Chai Fonacier é muito bem amparada pelo roteiro, não caindo na típica vilanização por ser de uma cultura oposta as tradições do Ocidente, mas adere isso como parte central para compreendê-la. A resolução promove um embate muito bem escrito, amarrando pontas entre a trajetória de suas personagens, e tecendo críticas dolorosas a indústria da moda, com um assombroso histórico de exploração de mão escrava em países Orientais. A harmonia e o equilíbrio de execução alcançado para fazer essa transição promove um dos melhores atos do cinema em 2022. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Sorria (2022)


O pensamento de que o sorriso é como uma máscara, pelo qual escondemos nossa verdadeira forma interior do resto do mundo, sempre ronda o imaginário popular. E carregar um sorriso no rosto é, especialmente, descrito como um fardo para aqueles que sofrem de depressão. Parker Finn parece ter tido essa percepção para realizar Sorria (Smile), que toma a forma explícita de um filme-trauma.


Um pesadelo recorrente de um evento familiar traumático, assombra a psicóloga Rose Cotter (Sosie Bacon), que atende em um hospital público, estando sobrecarregada constantemente com o número de pacientes. Tentando manter a eficiência em seu trabalho, ao insistir em transferir para o local uma jovem, Laura Weaver (Caitlin Stasey), acaba por se deparar com um desdobramento chocante em sua vida. A mulher está perturbada, parece perdida e alega está sendo perseguida por uma figura, que veste o rosto de outras pessoas, surgindo com um sorriso perturbador, desde que testemunhou um suicídio, e então também se suicida durante a sessão com Cotter. A visão do rosto mutilado, ensanguentado e com um sorriso estampado da jovem perturba a doutora, e é que o diretor também deseja que fiquemos na cabeça. Através do contato com Joel (Kyle Gallner), uma investigação é iniciada, e ao descobrir um padrão de mortes brutais, a protagonista descobre ser a próxima da lista a enfrentar essa força diabólica que só ela poderá ver de forma visível.


Traçando uma leitura sobre saúde mental, o filme faz do evento traumático com o suicídio, a manifestação de uma maldição sobrenatural, seguindo à risca uma fórmula já batida, onde temos a perseguição implacável da morte iminente, como popularmente apresentado em Premonição (2000). Com esse leque de elementos previsíveis (maldição, trauma e força maligna), e tendo tantas possíveis referências prévias, sendo mais curiosa a de Argento com Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (1971), Sorria encontra uma forma de ser inventivo, e isso pela capacidade de direção de Finn, se espelhando bastante em exemplares de diretores do cinema independente da última década, como Ari Aster (Hereditário) e David Robert Mitchell (Corrente do Mal), optando por enquadramentos com ares majestosos com a noção de espaçamento, planos aéreos que passeam pelo ar de cabeça para baixo, e um planejamento cuidadoso em criar jumpscares, atendendo o apelo em filmar cenas desconcertantes. O controle de ambiente com a direção de arte se diverte, inserindo jogo-xadrez e imagens que ilustram confusão e perturbação mental espalhadas por todo o longa.


Sosie Bacon (de Charlie Says e a série Mare of Easttown), tem uma performance bastante elogiável, observando o curso da ação com o passar dos dias, e o cansaço e aflição ficando cada vez mais visíveis em sua feição. Uma cena na festa de aniversário do sobrinho, na casa da irmã Holly (Gillian Zinser), se destaca pela proporção que atinge com a violência visual abrupta. Também é um ponto chave por ficarmos por trás da linha de desconfiança dos outros personagens, que começam a vê-la como louca. A passagem de Caitlin Stasey na abertura, também é considerável, não somente por apresentar o primeiro grande momento de horror, mas por sabermos que Sorria funciona como uma extensão do curta de Finn, Laura Hasn't Sleep (2020), que relata um evento anterior com a personagem.


A jornada de Rose se resume em enfrentar o trauma de sua infância, e o último ato é centrado no confrontro com o grande demônio que a segue por toda sua vida, revivendo a primeira experiência de sofrer um grande choque emocional. Parece haver muito mais por trás da entidade sobrenatural, que aparece de repente através de visões, que acontecem como se fossem reais para suas vítimas, e o roteiro de Finn, no entanto, prefere manter o mínimo de informações em seu decorrer de quase duas horas, deixando no ar sugestões para o público sobre o que especular sobre a forma como ela age, e de como a maldição não seria mera coincidência em testemunhar um ato de violência. O desfecho deixa uma sensação frustrante, mas em meio as diversas tentativas de fazer sucesso com filmes de terror semelhantes, é o que o diretor consegue fazer com esse mínimo que garante uma execução sólida, fazendo da fórmula barata um terror psicológico eficiente.

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteir...