quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Glorious (2022)

Filmes que tiram proveito da encenação em um único local tem um espaço especial no coração do público, indo do estrondoso Cães de Aluguel (1992), ao popular Jogos Mortais (2004), ao menos badalados mas com algum status cult como Espinhos (2008). Produções pequenas e independentes que cativam pela inventividade e capacidade em saber como concentrar a narrativa em determinado local. O novo exemplar dessa linha de gênero, Glorious é uma produção estadunidense pequena como os citados, exibido com sucesso no Fantasia Film Festival, o que atraiu o interesse da plataforma de streaming, Shudder em adquiri-lo, tendo sido lançado ontem (17/08).


A premissa certamente chama atenção de cara: um homem preso em um banheiro com uma criatura mitológica que se comunica através do buraco de um dos compartimentos. O azarado da vez é Wes (Ryan Kwanten), que vemos caminhar nervoso de um lado para o outro num estacionamento à beira da estrada, evidentemente desnorteado por causa da aparente separação da sua companheira, Brenda (Sylvia Grace Crim). Tendo como única companhia um ursinho de pelúcia no carro e a canção "Wait' Till the Sun Shines" do grupo The Bell Sisters & Bing Crosby, o homem entra em estado de surto, mais tarde quando acorda com o estômago enjoado parte para o banheiro do local, e não sai mais. Uma voz (a de ninguém menos que J.K. Simmons) então o acompanha na cabine do lado, através de um buraco acompanhado por um desenho obsceno com vários olhos na madeira, apresentando um tom amigável mas que não demora a se demonstrar uma presença estranha e perigosa conforme vai revelando sua identidade e intenções. A ilustração não está lá apenas para indicar uma piada de mal gosto, mas determinar quem é que habita aquele ambiente.


A partir daí não se pode revelar mais detalhes. O que há de mais surpreendente em Glorious, é como Rebekah McKendry soube sustentar o argumento na direção. Adentrando o universo fantasioso do horror cósmico fortemente estabelecido pela influência na literatura de H.P. Lovecraft, ela trabalha uma dinâmica que parece que não vai conseguir se alavancar de início, muito pela limitação de orçamento, mas que com a presença da voz de Simmons ganha outra forma, sendo envolvente ao fisgar o telespectador para saber que rumo essa trama absurda tomará. Há poucos contratempos com personagens adicionais para afetar a interação dos dois personagens em seus quase 80 minutos, o que o deixa mais objetivo, embora possua um twist que soa excessivo e desagradável envolvendo o conflito amoroso, que é um elemento bastante determinante ecoando uma força central para o protagonista. Há um bom uso de efeitos em CGI e a utilização de efeitos de animação, embora nem fosse muito necessário dá forma completa a sua grande ameaça, e essa estética neon/roxa já esteja se tornando saturada no uso do retratamento do universo psicodélico e Lovecraftiano, vide as produções da SpectreVision. O trabalho de câmera não chega a ser tão criativo mas é pela comando do fio narrativo que se sobressai, reservando momentos de insanidade no auge da exaustão psicológica em que se encontra Wes, até culminar na profusão de violência e sangue, além do flerte com o humor e as piadas inevitavelmente penianas (!).


Em última instância é uma curiosa e niilista análise das forças existenciais predatórias que dá um tom pessimista que fecha bem o longa, em harmonia com o confronto com a natureza humana que o universo do Lovecraft propõe, pois afinal sempre foi pela limitação da capacidade humana de lidar com o desconhecido que se dava início o horror. O olhar feminino sobre a masculinidade nociva presente nisso também pode ser apontado, ainda que não seja tão assumido a ter um viés feminista ou mesmo queer, como esperado inicialmente pela alusão a prática do Glory Hole. No mais, é uma boa surpresa sendo curto e bem executado, bem defendido pela performance dramática de Kwanten, que desde que ganhou as telas ao estrelar Gritos Mortais (2007), de James Wan demorou a retornar ao gênero, ou mesmo fazer uma nova boa produção. E por mencionar Wan, é possível afirmar que há certa inspiração no seu mais famoso trabalho lá em 2004, pelo objetivo num todo do que é ditado pela criatura que Simmons dubla.

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