quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Passei Por Aqui (2022)


A nova produção original da Netflix, Passei Por Aqui/I Came By com direção do britânico-iraniano Babak Anvari (Sob a Sombra, 2016), cujos dois filmes anteriores também estão disponíveis na plataforma de streaming, parte de argumentos bem previsíveis para tomar forma própria. O atual cenário da imigração na Inglaterra, que deixa diversos estrangeiros desesperados por amparo, e sob uma crescente marginalização, assim como o campo político e social inglês são o pano de fundo onde o filme ocorre. Nele acompanhamos Toby Nealey (George MacKay), filho da psicóloga Lizzie (Kelly Macdonald), um jovem que ainda não encontrou direção na vida, muito por conta da atitude irreverente e inconformado com a sociedade, tendo como segredo sua identidade como o pichador responsável pela marca "I Came By", que ganhou notoriedade por se tornar o terror dos ricaços preocupados com a defesa da propriedade privada.


O amigo (de etnia negra) de longa data, Jay (Percelle Ascott) está saindo do esquema de pichação ilegal para tentar cuidar da namorada grávida, a imigrante Naz (Varada Sethum), logo quando Toby encontra o local ideal para a próxima, na residência do ex-juiz, Hector Blake (Hugh Boneville) onde Jay esteve trabalhando. Agindo sozinho, a invasão ocorre mas não sai como esperado quando encontra fotos e o local onde o homem esconde um segredo. O resto o telespectador pode prever. Ou não.


O dimensionamento dos conflitos entre os personagens é que gera o grande diferencial aqui, saindo do cerne comum onde costuma estarem histórias do tipo, expandindo a premissa para atingir a mensagem que pretende alcançar. Há espaço para cada um assumir ou estar em foco da narrativa, em determinado ponto temos Liz no comando, como uma mãe determinada a desvendar o mistério por trás do desconhecido. Blake está sempre atento com o sistema de segurança, faz saídas mas deixa a casa aberta, e até mesmo chaves como uma grande piada brincando com o telespectador que acompanhará sem poder fazer nada suas próximas ações. Partindo da sala de atendimento da psicóloga, onde Faisal (Antonio Aakeel) desempenha notável função, até o drama de Jay com Naz, o roteiro escrito por Anvari e Namsi Khan é bem amarrado, e esforçado em criar e sustentar subtextos e ligações. A cena onde entrega as informações necessárias para entender as motivações do vilão é um momento a se destacar pela forma como planeja uma dinâmica, onde testemunhamos melhor sua forma de cometer crimes.


Babak Anvari joga com as próprias regras em Passei Por Aqui. É uma revisão estruturalista da cartilha do home invasion como Homem nas Trevas (2016), e até poderia ser visto como um Corra (2017), à sua própria maneira, que segue por direções que podem não ser muito atraentes para os amantes do gênero, mas que tem muito a oferecer dentro do desenvolvimento pelo olhar complacente às questões sociais em que estão inseridos seus personagens, e levemente dilacerante quando encara o destino dos mesmos. Mesmo com o ditadismo e como não os livra de estarem em situações que põem em dúvida a racionalidade. Até mesmo essa sequência de eventos absurdos carrega um tom divertido por saber como demonstrar para o telespectador que não está ileso, e à mercê do sistema capitalista beneficente aos mais abastados. Da classe média confortável, às forças policiais, até aos imigrantes lutando por estadia, ninguém pode pôr um fim às ações monstruosas de Hector Blake, que se aproveita da máscara da alta sociedade para poder sair impune e satisfazer seu senso torpe e sádico por vingança. Kelly Macdonald sob uma face aflita e um George MacKay exposto de forma tão vulnerável é marcante. É preciso se mencionar o tom de humor distorcido ao fazer uma menção a Capitão Fantástico (2016), onde o ator inglês tão bem ficou conhecido, que garante uma risada nada feliz. O jovem e também escritor, Percelle Ascott, nascido no Zimbábue tem um bom desempenho, que ao finalmente tomar o centro de ação garante um desfecho satisfatório.

Anvari opta por encerrar o filme ao som da famosa balada do Tears for Fears, Everybody Wants to Rule the World que não por acaso, de relevância lírica com alusão à corrupção humana e política, tem a voz de Roland Orzabal, de descendência espanhola e argentina, além da banda ter sido grande representante nos anos 80 do espírito rebelde e revolucionário que também acompanha alguns dos personagens, e diria que encerra bem todo o intuito em refletir através dessa experiência do cinema de gênero a nossa força enfraquecedora diante do sistema burocrático e injusto que dita nossas vidas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Trailer: Ruído Branco x TÁR


Prestes a estrear no Festival de Veneza no dia 31, a Netflix divulgou o primeiro teaser trailer de Ruído Branco. O novo filme com direção de Noah Baumbach (História de Um Casamento), baseado no grande livro do Don DeLillo. No meio do ano o havia lido e já estava bem empolgado para ver como seria uma adaptação cinematográfica dele, que possui um texto e personagens tão particularmente excêntricos, e surpreso que aqueles que não seriam minha primeira escolha, Adam Driver e Greta Gerwig parecem bem personificados como Jack e Babette, o casal paronóico por ter que enfrentar um dia a morte. Ainda sem data.


E a Focus Features também lançando trailer de um dos competidores este ano em Veneza, TÁR que marca o retorno de Todd Field (Pecados Íntimos, 2006) no cinema. E fiquei extremamente surpreso pelo que ele parece propor com a Cate Blanchett aqui, na pele de uma compositora alemã. Com uma aura de GRANDE FILME, as sequências de imagem da tensão física da atriz junto ao que parece uma sessão de fotografias é hipnotizante. Em 7 de Outubro chegando aos cinemas (mas não aqui no Brasil, claro).

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A Órfã: A Origem (2022)

É difícil para mim assimilar como já se passou tanto tempo desde que o espanhol Jaume Collet-Serra nos entregou A Órfã (Orphan, 2009), o suspense que me gelou a espinha quando exibido dois anos mais tarde na programação do SBT. Baseado numa macabra história real, que deu o status instantâneo de novo ícone do terror para Esther (Isabelle Fuhrman), a garotinha de aparência inocente que revelava não ser uma simples garotinha, para o desespero da família da Vera Farmiga. A cogitação de uma sequência sempre esteve no boca a boca do público, ansioso por ver mais da personagem, mesmo que o criador de argumento da personagem, Alex Mace houvesse dado um ponto final para ela no grande clímax. Mas a história da mulher adulta presa no corpo de criança era certamente difícil de ser esquecida, e continuou a ressoar como uma lenda urbana no imaginário popular, até que enfim a Dark Castle junto a eOn dois anos atrás tiveram uma ideia nova, após serem contatados por Isabelle Fuhrman e anunciaram a sequência, que não seria bem uma sequência... Mas sim um prequel que acompanha a residência anterior da assassina, antes dos eventos em 2009, com Fuhrman retornando como protagonista. Onze anos atrasados, e com a distribuição da Paramount, Esther está entre nós novamente.

Situado no ano de 2007, a ação tem início no The Saarne Institute localizado em algum lugar da Estônia, a partir da chegada de Anna (Gwendolyn Collins), uma funcionária da Assistência Social com um propósito não muito claro na instituição, o Asilo de internamento para pacientes com problemas mentais, aonde encontra Leena, a verdadeira (?) identidade da mulher-criança. Não demora muito para ela arquitetar a fuga, como Michael Myers fugindo da ala psiquiatra, e de forma violenta manipulando um guarda pedófilo deixa o Instituto e escapa para longe graças a oportunidade que enxergou com a chegada da mulher. Mais tarde ela é encontrada por um agente de Polícia e assume a identidade de Esther Albright, uma garotinha desaparecida que descobriu no sistema de crianças desaparecidas, que compartilha similaridade com ela. E é assim que parte para a região de Connecticut nos Estados Unidos, para se encontrar com a influente família Albright, formada por Tricia (Julia Stiles), o marido Allen (Rossif Sutherland) e o filho mais velho, Gunnar (Matthew Finlan).


O roteiro de David Coggeshall (de Evocando Espíritos 2, curiosamente também ambientado em Connecticut), reutiliza a estrutura vista no primeiro longa, com o telespectador testemunhando passo a passo as mesmas ações da vilã com a nova família, com a iminente tragédia à espreita. O grande dilema ao se realizar um prequel é: como estabelecer a ameaça quando já a conhecemos? Pois há surpresas à frente. O diretor William Brent Bell (colecionador de péssimos filmes como Boneco do Mal 2), primeiramente utiliza a personagem como uma carniceira extremamente manipulativa, talvez para tentar fazer jus à fama conquistada, a colocando para agir e matar inescrupulosamente, para então com a família, mudar a dinâmica revelando que ela não é mais a maior ameaça presente nesta sequência. Depois de tantas facilitações narrativas, chegando ao exagero nas ações da personagem (e voltando a citar o mascarado de Halloween, há até mesmo um momento absurdo que a coloca sob o volante de um carro), essa mudança brusca consegue trazer um ar divertido, e é o que o diferencia do filme anterior. Sem entrar em maiores detalhes, a perspectiva muda e a nossa aflição está em ver como a assassina se livrará de sua nova vida.

Para um filme intitulado como A Origem, ou First Kill (a primeira matança), na realidade não há uma verdadeira expansão na mitologia por trás de Esther, continuaremos a não saber sobre o seu nascimento e infância, e sequer retratam o seu primeiro homicídio. Os eventos mostrados aqui, principalmente com a interação familiar existem para explicar as habilidades demonstradas pela personagem nos futuros acontecimentos com os Coleman. Gunnar é praticante de esgrima e Allen, o homem que rapidamente conquista a afeição da falsa filha é um pintor, que a ensina sobre a técnica da reflectografia de infravermelho. Tricia é uma figura materna de mente calculista e imponente, com uma boa composição de Stiles, quase chegando a altura da força que representa Esther. Há um contratempo com a intromissão do detetive Donnan (Hiro Kanagawa), que até cumpre alguma função. Isabelle Fuhrman volta a preencher o icônico papel com vividez, ainda que tirem parte de sua força assustadora. A violência vem em boas doses, ainda que poucos confrontos físicos ganhem melhor aproveitamento cênico. O responsável pela cinematografia é ninguém menos que Karim Hussain, o diretor de Subsconscious Cruelty (2000), e que recentemente fez um belo trabalho na fotografia de Possessor (2020). E falando sobre a grande questão, sobre como conseguiram voltar com a atriz adulta no papel de criança, driblando o grande uso de CGI com técnicas de maquiagem e ângulos de câmera, seu rosto causa muita estranheza inicialmente. Quem estiver afim de criticar a produção, fará a festa. É preciso também mencionar a importância da participação da dublê, Kennedy Irwin, de 11 anos.

A Órfã: A Origem termina por não acrescentar muito ao que já se sabia anteriormente, e pouco se equipará ao impacto do primeiro exemplar, apesar das voltas criativas. E preciso afirmar como é até um pouco surpreendente como William Brent Bell não fez disso um desastre total, ainda que o argumento sofra de diversos equívocos e problemas. Para quem gosta de falar sobre tais "furos de roteiro", terá assunto de sobra, ao contrário daqueles que forem mais descompromissadamente conferi-lo para prestigiar a graciosidade perigosa de Fuhrman. Pode ser resumido essencialmente como uma tragédia romântica, uma jornada sobre a desilusão da personagem, que a tornou cruel e implacável até encontrar os Coleman. O caminhar por entre as chamas em sua parte derradeira, é o ápice desse apelo plástico, que clama por a imortalizar na cultura pop, e que por esse breve momento cumpre perfeitamente sua função.


O filme deve chegar em Setembro nos cinemas nacionais, mas se pode conferir A Órfã: A Origem com legenda provisória aqui. Ou aqui.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Glorious (2022)

Filmes que tiram proveito da encenação em um único local tem um espaço especial no coração do público, indo do estrondoso Cães de Aluguel (1992), ao popular Jogos Mortais (2004), ao menos badalados mas com algum status cult como Espinhos (2008). Produções pequenas e independentes que cativam pela inventividade e capacidade em saber como concentrar a narrativa em determinado local. O novo exemplar dessa linha de gênero, Glorious é uma produção estadunidense pequena como os citados, exibido com sucesso no Fantasia Film Festival, o que atraiu o interesse da plataforma de streaming, Shudder em adquiri-lo, tendo sido lançado ontem (17/08).


A premissa certamente chama atenção de cara: um homem preso em um banheiro com uma criatura mitológica que se comunica através do buraco de um dos compartimentos. O azarado da vez é Wes (Ryan Kwanten), que vemos caminhar nervoso de um lado para o outro num estacionamento à beira da estrada, evidentemente desnorteado por causa da aparente separação da sua companheira, Brenda (Sylvia Grace Crim). Tendo como única companhia um ursinho de pelúcia no carro e a canção "Wait' Till the Sun Shines" do grupo The Bell Sisters & Bing Crosby, o homem entra em estado de surto, mais tarde quando acorda com o estômago enjoado parte para o banheiro do local, e não sai mais. Uma voz (a de ninguém menos que J.K. Simmons) então o acompanha na cabine do lado, através de um buraco acompanhado por um desenho obsceno com vários olhos na madeira, apresentando um tom amigável mas que não demora a se demonstrar uma presença estranha e perigosa conforme vai revelando sua identidade e intenções. A ilustração não está lá apenas para indicar uma piada de mal gosto, mas determinar quem é que habita aquele ambiente.


A partir daí não se pode revelar mais detalhes. O que há de mais surpreendente em Glorious, é como Rebekah McKendry soube sustentar o argumento na direção. Adentrando o universo fantasioso do horror cósmico fortemente estabelecido pela influência na literatura de H.P. Lovecraft, ela trabalha uma dinâmica que parece que não vai conseguir se alavancar de início, muito pela limitação de orçamento, mas que com a presença da voz de Simmons ganha outra forma, sendo envolvente ao fisgar o telespectador para saber que rumo essa trama absurda tomará. Há poucos contratempos com personagens adicionais para afetar a interação dos dois personagens em seus quase 80 minutos, o que o deixa mais objetivo, embora possua um twist que soa excessivo e desagradável envolvendo o conflito amoroso, que é um elemento bastante determinante ecoando uma força central para o protagonista. Há um bom uso de efeitos em CGI e a utilização de efeitos de animação, embora nem fosse muito necessário dá forma completa a sua grande ameaça, e essa estética neon/roxa já esteja se tornando saturada no uso do retratamento do universo psicodélico e Lovecraftiano, vide as produções da SpectreVision. O trabalho de câmera não chega a ser tão criativo mas é pela comando do fio narrativo que se sobressai, reservando momentos de insanidade no auge da exaustão psicológica em que se encontra Wes, até culminar na profusão de violência e sangue, além do flerte com o humor e as piadas inevitavelmente penianas (!).


Em última instância é uma curiosa e niilista análise das forças existenciais predatórias que dá um tom pessimista que fecha bem o longa, em harmonia com o confronto com a natureza humana que o universo do Lovecraft propõe, pois afinal sempre foi pela limitação da capacidade humana de lidar com o desconhecido que se dava início o horror. O olhar feminino sobre a masculinidade nociva presente nisso também pode ser apontado, ainda que não seja tão assumido a ter um viés feminista ou mesmo queer, como esperado inicialmente pela alusão a prática do Glory Hole. No mais, é uma boa surpresa sendo curto e bem executado, bem defendido pela performance dramática de Kwanten, que desde que ganhou as telas ao estrelar Gritos Mortais (2007), de James Wan demorou a retornar ao gênero, ou mesmo fazer uma nova boa produção. E por mencionar Wan, é possível afirmar que há certa inspiração no seu mais famoso trabalho lá em 2004, pelo objetivo num todo do que é ditado pela criatura que Simmons dubla.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Gone in the Night (2022)

Winona Ryder dispensa apresentações como um dos grandes nomes do cinema estadunidense durante as décadas de 80 e 90, e como todos sabemos a perdemos assim que o novo século iniciou. Antes de reaparecer brilhando em Stranger Things teve um breve êxito em Cisne Negro (2010), o que parecia o início do seu grande retorno às telonas. Mas não foi. E temo a dizer que Gone in the Night, da BoulderLight Pictures (envolvida na nova versão de Chamas da Vingança), é mais uma tentativa ruim de tentar tornar ela uma grande estrela de thrillers psicológicos, assim como A Carta (2012). 


Com direção de Eli Horowitz, que é responsável pelo roteiro ao lado de Matthew Derby, Gone in the Night tem uma narrativa fragmentada em eventos que se interligam em presente e passado, repleto de pequenas reviravoltas que tentam surpreender o telespectador. O filme a companha na pele da bióloga quarentona Kath, que junto do namorado, Max (John Gallagher Jr.) parte para um fim de semana numa residência alugada no meio do nada. E se tiramos alguma lição das histórias de terror, é que isso nunca acabou bem. Lá eles descobrem que o lugar tem outros hóspedes, sendo estranhamente recepcionados por Al (Owen Teague) e Greta (Brianne Tju), uma mulher voluptuosa de pose misteriosa que atrai pouco a pouco a atenção de Max, que ao invés de pegar o carro e fugir imediatamente com a amada, decide ficar e passar a noite com os estranhos. E como se isso fosse um livro do Harlan Coben, o cara desaparece junto da jovem mulher sem deixar rastros nos dias seguintes, com Kath aceitando calmamente a justificativa de que os dois se tornaram amantes da noite pro dia e fugiram juntos. E tenta seguir em frente nas próximas semanas, mesmo que instintivamente queira reencontrar com o (ex) namorado para pôr um ponto final definitivo.

Kath pode ser uma mulher esperta mas esse é apenas o começo de uma sucessão de erros, enquanto entra na gama de armadilhas dos estranhos. Quando começa a se mobilizar para saber sobre o local alugado, conhece o proprietário, Barlow (Dermot Mulroney) e tem uma espécie de flerte com ele. Há química no ar entre os dois atores, mas não é difícil supor o papel que o personagem vêm a assumir depois. O roteiro tem ao menos um elemento surpresa, que justifica a contextualização do interesse em biomedicina, filosofia existencialista e ciência dos personagens, mas dentro de todo o esquema cheio de facilitações absurdas acaba sendo enfraquecido demais. Lembram da Gillian Flynn? A autora por trás das obras adaptadas em Garota Exemplar (2014), Lugares Escuros (2015) e Objetos Cortantes (2018)? Horowitz e Derby mais parecem quererem se bancar como novos espertões dessa linha de thrillers inventivos. E mesmo com umas adições novas dentro do gênero, falharam miseravelmente. Todo o trabalho de direção de arte e fotografia contribuem para a identidade como suspense genérico. A face de Ryder é excessivamente explorada nos close-ups, querendo extrair uma expressividade maior. Talvez fosse melhor transformar isso num livro primeiro.

Petite Nature (2021)

Começando por uma constatação de um dos maiores tabus da humanidade: sexualidade infantil não é assunto de adulto, ou de qualquer pessoa. Mas eis que a falta de categorização no campo científico e filosófico também não contribui para nos dar alguma luz sobre a jornada de descoberta sexual que temos, que quer negue ou não, há impulsos e percepções que vivenciamos desde pequenos. Colocar isso como tema para discutir abertamente na educação virou um verdadeiro cabo de guerra, como sabemos em nossa política. E por isso ter um filme como esse exemplar francês, Petite Nature/Softie de um realizador que pretende abordar de uma forma tão liberta esse universo é certamente desafiador para o público. Desconfortável e que pode ser visto até como contraditório em suas intenções. Mas calma, não estamos falando de uma nova versão de Cuties (2020). Quando falo de sexualidade, não se trata do ato carnal em si, mas todo o processo de se entender no despertar das emoções pelo outro.


Com passagem na Mostra da Semana Internacional da Crítica no Festival de Cannes ano passado, Petite Nature é centrado em Johnny (Aliocha Reinert), um garoto de dez anos que começa o filme bolando o baseado do último parceiro da sua mãe, Sonia (Melissa Onessa) que está levando ele e as crianças embora. Ele tem um irmão mais velho, mas toda a responsabilidade pela casa cai em seus ombros, como cuidar da irmã mais nova em todo seu tempo livre. O estilo de vida bagunçada com os parceiros, que chega até mesmo a flagrar relações sexuais, gera uma relação conflituosa com a mãe que trabalha numa lanchonete. Com um lar novo vem a escola nova, aonde conhece Jean (Antoine Reinartz), o novo professor de sua turma, que de cara conquista a afeição do menino, por lhe dar voz na sala de aula ao falar de perspectiva de vida. O homem parece um pai ideal, ou indo mais além, ele é como um homem dos sonhos... o que leva Johnny a querer se aproximar mais e mais. A conotação romântica obviamente não é recíproca, e é construída pouco a pouco pela perspectiva do menino, a ponto de temermos ver até onde ele vai chegar pra conseguir se tornar íntimo. A namorada do professor, uma fotógrafa, Nora (Izïa Higelin) também surge na dinâmica, com um interesse em estimular o potencial futuro dele. Numa ida à um museu proposto por ela, vemos um trecho de A Flauta Mágica (1975) do Ingmar Bergman que o deixa encantado.


O diretor, Samuel Theis (premiado em 2014 no Cannes por Party Girl) é bem cuidadoso em estabelecer esse meio em que ele se insere, como na teoria de cognição de Piaget que dita a fase de maturação da criança, que depende do meio em que ele vive para determinar como ele vai se desenvolver. O pequeno protagonista quer mudança, não aguenta mais o modo caótico da família e enxerga de forma esperançosa a possibilidade de conseguir afeto. Ainda assim a direção não escapa do intenção dúbia como decidir expor a criança em uma posição sexual, e o rumo dessa trama da obsessão romântica, algo que seria mais verossímil caso o personagem fosse uns dois ou quatro anos mais velho. O dinamarquês A Caça (2012) é um que dez anos depois continua a render debates sobre esse tipo de consciência demonstrada em um personagem de idade tão precoce.


Mas mesmo que fiquemos tensos na cadeira vendo Petite Nature, Theis não optar por seguir os avanços de Johnny no homem como um thriller para vilanizá-lo, e termina sendo um bom filme que capta as nuances dessa fase de transformações emocionais e mentais. Mesmo que muita da audácia temática parece diluída em seu desfecho, lembrando trabalhos da A24, como Projeto Flórida (2017), pela estética e o trabalho de câmera, ou por usar a faixa "Child in Time" do Deep Purple numa típica sequência musical. Sem abrir mão da complexidade ao lidar com os fatores diretos e indiretos, que deixam o público a continuar pensando após o fim da sessão. Detalhe que o elenco é de estreantes no cinema, o que faz de Eliocha Reinert uma verdadeira grande revelação, assim como Melissa Onessa. 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Poser (2021)


Com passagem por diversos festivais de Estados americanos, Poser realizado pela dupla Ori Segev e Noah Dixon é uma produção independente do estúdio Loose Films, que se insere no atual cenário de música underground em Columbus e reúne alguns artistas profissionais dessa cena. Começa em passos lentos como um drama, tal como sua protagonista, Lennon Gates (Sylvie Mix), mas conforme avança converge drasticamente com o thriller.


Dividido em 8 capítulos, Lennon nos é apresentada como uma mulher introvertida na faixa dos 20 anos, com visual descolado, um emprego num restaurante e atitudes reclusas. Na abertura faz uma gravação sem autorização numa galeria de arte, e afirma estar começando um podcast, mas com isso mais parece estar acumulando uma coleção pessoal de relatos e leva uma vida afastada da família, mantendo um vago contato apenas com a irmã pouco receptiva, Janie (Rachel Keefe), além de um peixinho dourado. Ela é atraída pela indústria de música independente pela imagem de autonomia e autenticidade com a criação de material que esses artistas vendem. Um dia, ouve um disco novo da banda Damn the Witch Siren e fica seduzida pelo som, e especialmente pela dona da voz, Bobbi Kitten, que se apresenta ao lado de Z Wolf, um músico de identidade desconhecida por usar uma máscara de lobo. O que a inspira a investir em seu projeto de podcast, tendo um primeiro contato relevante com Micah (Abdul Seidu), pra então finalmente entrar em contato com Kitten. Sexy e com ar de mistério, a cantora preenche o vazio por atenção de Lennon, que muito interessada começa a se jogar mais nisso. Há uma tensão sexual entre elas, mas sua relação toma um outro rumo.


O roteiro de Noah Dixon traz um jogo de perspectiva: nós seguimos Lennon, ignoramos os pequenos sinais de comportamento suspeito e acreditamos que a conhecemos, para então a partir que a relação dela com Kitten se complica, estarmos diante de uma pessoa diferente, é quando cai a máscara de poser. Em determinado momento é mencionado a Tack Gallery, um antigo abatedouro/fábrica de carne abandonado próximo das linhas de trem que se tornou um salão para eventos de músicos, até um terrível incidente. Uma informação que se torna mais relevante com o decorrer.

O cuidado de som e escolha na trilha sonora de Adam Robl e Shawn Sutta são bem pontuados, que ritmam o avanço narrativo. Kitten e Gates têm bons momentos de química, especialmente uma com mímica. Mas eis o grande problema, na tentativa de ser subversivo, Poser não chega a lugar nenhum em seu desfecho. É um estudo de personagem que sublinha sobre os alertas, mas quando parte para uma mudança radical não parece mais coerente, com menos tempo para se assumir um thriller de obsessão. Como esse cenário de artistas de mindset entediantes e engajados, é falsamente provocativo para explorar dualidades e ações morais negativas.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Trailer: Triangle of Sadness (2022)

E o novo vencedor da Palma de Ouro, Triangle of Sadness do Ruben Östlund (Força Maior e The Square - A Arte da Discórdia) acaba de ganhar trailer. Com uma divulgação que já provoca (literalmente) reações do que a gente deve conferir no filme. Caótico e REPULSIVO. Como uma mistura de The White Lotus com Le Grand Bouffe (1973)... e oops, depois da frustração tremenda com Crimes do Futuro, quanto menos se esperar e souber de um título badalado pelos franceses, melhor.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O Telefone Preto (2021)


Eu não lembrava de "O Telefone Preto", o conto presente na antologia "Fantasmas do Século XX" do Joe Hill, embora tivesse certeza que tinha lido, e o relendo entendi porque havia esquecido. O objeto de comunicação fantasmagórico e uma pequena passagem envolvendo a irmã do protagonista eram as únicas coisas que podiam ter ficado na minha memória, se tivessem sido utilizados pra alcançar um impacto ainda maior, o que não acontecia embora fossem elementos que provocassem a imaginação. Depois de quase um ano desde a estréia no Fantastic Fest, a Universal lança em VOD (este texto data originalmente em 14 de Julho) o filme, depois de uma série de adiamentos que já haviam tirado qualquer interesse meu em conferi-lo... E permaneceria assim se não o maldito acaso da oportunidade do momento. 


Ambientado na década de 70, Scott Derrickson, C. Robert Cargill e Joe Hill adaptam o conto preenchendo de bons argumentos em torno do background de Finney (Mason Thames) mas escrevendo-os no roteiro da pior forma possível, no sentido americano de cinema de ser. A relação dele com a irmã, Gwen (Madeleine McGraw), que é uma graça de personagem, é marcada por ter um elo bastante interessante que flerta com o universo mítico do Stephen King, mas que vira um elemento ultra-mega-expositivo aqui. Sendo cheio de coisas explicadinhas demais em torno disso, quando poderia ter sido uma informação explorada menos excessivamente, que toma mais tempo de tela que o mascarado misterioso do Ethan Hawke, que pela capacidade do ator e os ótimos designs das máscaras, poderia torná-lo um novo ícone do terror. 


Mas não é o que vem a ser, enquanto pioram cada vez mais a coisa sobrenatural da história, com uma solução de representação fantasma lamentável, que é repetido de forma abusiva. Poderiam ter dado mais valor a construção cênica mais básica e eficiente de todas: um porão decrépito, um garoto, uma chamada, sons do além e sussurros, mas Derrickson de alguma forma com o passar dos anos desaprendeu a dirigir um filme. Talvez a Marvel seja mesmo capaz de provocar esse tipo de sequela nas pessoas. O pior é que todo o acréscimo narrativo ainda não é útil para contornar o twist ruim que dão continuidade do conto. Jeremy Davies como o pai abusivo, e James Ransone como Max, um desajeitado obcecado com o rastro de desaparecimentos são a verdadeira definição do que ingleses gostam de chamar por "awful" e "messy" atuando, ao contrário do elenco infantil que é bem competente. O melhor momento acaba por ser quando Robin Arellano (Miguel Cazarez Mora) fala com tanto entusiasmo de O Massacre da Serra Elétrica (1974). A cena final que existe pra encerrar uma coisa de representação da construção de herói em cima do garoto no ambiente escolar, não poderia ser mais irritante. E óbvia, boba. Como todo o resto.

La Pasajera/The Passenger (2021)


Uma mulher que surge como uma força fantasmagórica na abertura de La Pasajera, dá um fim macabro a um casal de turistas. Realizado pela dupla de diretores, Raúl Cerezo e Fernando González Gómez, essa produção espanhola premiada no Festival de Canarias Isla Calavera, que indica inicialmente uma típica história sobrenatural de estrada é um excessivo, mas divertido filme de gênero ao mesclar comédia, ficção-científica e horror.


A ação gira em torno da van de Blasco (Ramiro Blas), um quarentão que já teve seus dias de glória, que não consegue calar a boca, e suas três passageiras, Mariela (Paula Gallega), Lidia (Christina Álcazar) e a filha adolescente, a rebelde Marta (Paula Gallego). O jeito de machão à moda antiga de Blasco causa atritos as mulheres, mas também conquista a afeição da garota, por compartilharem cicatrizes do passado. Marta vive sob uma conflituosa relação com a mãe, protetora e preocupada. As motivações para os personagens estarem ali são mínimas, os argumentos são poucos mas ainda sustentáveis pelo roteiro de Luis-Sánchez Polack, mas não importa, quando durante um momento de exaltação o motorista bate com o carro numa mulher no meio da pista, o caos acelera a partida. Lidia e Blasco entram em discussão, enquanto Mariela cuida da desconhecida inconsciente, que aos poucos manifesta ações que dão início ao puro horror, os forçando a entrarem numa corrida pela sobrevivência noite adentro.


Remetendo a cults como A Noite dos Arrepios (1986), La Pasajera passa por uma alteração drástica, com momentos de nojeira e body horror com o desdobramento narrativo em torno da origem da passageira ferida. Entregar mais explicações a cerca disso seria errado, mas é uma revelação divertida mesmo que pareça deslocada do que se pensou na abertura. É um trabalho competente feito por amantes do trash e produções B, com excessos no humor caricatural, e na finalização, mas que ainda garantem um passatempo descomprometido.

The Righteous (2021)


Um padre em conflito com a própria fé, após um estranho o colocar em dúvida sobre a natureza divina dela. Essa era a premissa de Luz de Inverno (Nattvardsgästerna, 1963), uma das obras mais celebradas de Ingmar Bergman, que anos atrás Paul Schrader revisionou em First Reformed (2017). O filme sueco é um dos grandes exemplares a dialogar sobre o dilema da espiritualidade em oposição aos nossos sofrimentos carnais. Eis que agora surge o curioso título canadense The Righteous, com direção de Mark O'Brien (ator de Halt and Catch Fire e que pode ser visto em Blue Bayou, também do ano passado), e filmado em preto e branco que antes de conferir já me parecia ser uma grande homenagem à ele. Tendo sido bastante premiado nas edições passadas do Grimmfest e Fantasia Film Festival.

A dupla Henry Czerny e Mimi Kuzyk interpreta o casal Frederik e Ethel Mason, que acabam por passar por uma tragédia ao perder a filha, ainda criança. Frederik é um ex-padre que largou o santo posto quando acreditou ter encontrado o amor em Ethel, e agora sofrem um grande abalo na relação, ainda em processo de descobrimento sobre como lidarem com a morte de sua única cria, recebendo em casa o consolo de vizinhos e pessoas próximas. Eles vivem numa área de mata no que parece ser um pequeno vilarejo, como a civilização de aspecto inóspito no grande filme de Bergman. Uma noite surge um jovem estranho com o tornozelo machucado, que eles não esperavam ter de acolher na residência. Aaron (o próprio O'brien) se apresenta como um aventureiro azarado bastante agradável, cativando logo a afeição materna de Ethel, mas sua ida até Frederik tem um objetivo secreto que espera revelar-lhe em breve. 

Aos 38 anos, Mark O'Brien que guarda uma semelhança indissociável ao norte-americano Evan Peters, em sua estréia na direção investe em trabalhar em cima do ar de tensão e mistério que envolve seus personagens, bastante preocupado em sustentar a dinâmica entre si e os atores. Apesar da premissa, ele que vem de uma família católica confessa não ter pensado em fazer deste um relato de contestamento de fé, mas ainda é um grande elemento que move o personagem de Czerny, que interpreta tão bem em seu martírio silencioso pelo tormento mental causado por lembranças do passado. Desde a escolha da fotografia monocromática, como não pensar que esta é uma ilustração da luta entre a luz e as trevas? Visualmente é menos bem planejado que um filme de Carl Thedor Dreyer, que admite ser também uma grande referência para sua realização, mas a cinematografia de Scott McClellan ainda é eficiente. Quem Tem Medo de Virginia Woof? (1966), é outro referencial que pode facilmente vir a passar pela mente dos telespectadores pela concentração no trio. A ligação dos protagonistas com Doris (Kate Corbett), é outro ponto que permite um momento de brilho nessa interação performática. 

Com a bomba armada trazida por Aaron em forma de desafio e segredo, The Righteous se encaminha para um confronto final explosivo. E apesar de toda boa composição do diretor, ainda não é capaz de conter todas as ótimas ideias que tinha aqui, e diria que é muito por causa de ficar no meio termo em fazer disso uma luta espiritual mais aberta, algo que Bergman não tinha receio em representar. O horror vem em pequenas doses, muito como reflexo da aflição dramática em que está a família Mason, num geral é um produto estranho para o grande público digerir ou se interessar, tendo conseguido uma distribuição bastante pequena comercialmente. Mas há uma audácia interessante no que O'Brien propõe, o que para um diretor inicialmente é suficientemente marcante e faz deste um belo início para a sua carreira. E um exemplar independente chamativo.

The Righteous pode ser conferido aqui com legendas com tradução automática.

Men (2022)


Autor de 'A Praia', o inglês Alex Garland é um dos nomes de maior ascensão na indústria cinematográfica nos últimos 20 anos, dispensando apresentações desde que sua estréia na direção, Ex-Machina (2015) com duas indicações no Oscar, se tornou um dos grandes títulos referenciais na ficção-científica deste século, ao discutir a posição do homem na evolução tecnológica que possivelmente o aniquilará no futuro. Após se aventurar na Paramount com o desastroso Aniquilação (2018), e na TV com a série Devs (2020), ele retorna a parceria de sucesso com a A24 com Men.

Em Men, junto de Harper (Jessie Buckley) somos levados ao cenário bucólico de um pequeno condado britânico, quando a mulher aluga uma residência em busca da tão sonhada tranquilidade que só o campo pode oferecer. Mas o que não conseguirá estando atormentada por visões violentas envolvendo o marido, James (Paapa Essiedu), e pouco a pouco descobrindo a presença hostil que os habitantes locais (todos homens) representam. A única figura (feminina) que a oferece consolo é a de Riley (Gayle Rinkin), a amiga com quem conversa por vídeo-chamada por horas. Sua busca por paz interior está com horas marcadas para chegar ao fim quando começar a notar um caminhante nu (interpretado por Rory Kinnear, assim como todos os outros homens que virão a seguir).


 Apresentada a narrativa inicial, agora posso falar: a primeira hora de Men é uma dos mais idiotas e grosseiras que um filme poderia alcançar em termos de linguagem destes últimos anos no cinema. Desde a memória traumática com a morte que Harper possui, como um corte abrupto esfregado na cara do público para apontar o estado de luto, a criação de simbolismos numa ida a igreja, que apontam para uma mistura de cristianismo e paganismo irlandês, até a forma como quer mostrar cada homem no caminho da personagem como um possível agressor ou violentador. É estupidamente progressista por esse caminho de consciência social e de gênero, temas que viraram sinônimo da A24. Garland não é nada sutil, e isso ao menos o leva a ter um êxito mais afrente.


É assim que o mundo de Harper colide com a misoginia: o estranho pelado a segue sem motivo aparente, as forças policias não a dão ouvidos e o padre Geoffrey (Kinnear), com um toque físico avança limites sobre seu corpo durante uma conversa, além de reproduzir falas que apontam como não compreende p***a nenhuma a respeito dela, ou de ter empatia pelo seu sofrimento. O contraste da relação com a natureza plácida, imponente e que remete as formas de representações mais puras e carnais, pelo estado animalesco natural do homem aponta ao menos duas inspirações óbvias na fotografia de Rob Hardy, colaborador de sempre do diretor, o primeiro é Tarkovsky, e não seria a primeira vez desde que forçando uma linha de pensamento podemos dizer que Ex-Machina, é o Solaris (1972) do inglês, assim como Aniquilação é Stalker (1979). Bobagem verdadeira. E o dinamarquês Lars Von Trier, o popstar do cinema transgressor, como não pensar em seu Anticristo (2009)? Mas digo que essa é uma tentativa de fazer uma versão moderna de A Hora do Lobo (1967), a mais extrema aventura no horror simbólico e psicológico que Ingmar Bergman nos presenteou.

Se Men se prova ineficiente no quesito de instigar reflexões de temas que estão saturados no cenário do cinema atual, é ironicamente o caminho oposto deste tipo de conceito (o de oferecer imagens e pensamentos em segundo plano, camuflado e cheio de interpretações), que Garland tem sucesso: o confronto com o horror físico, violento e grotesco. Os 40 minutos finais são os mais aproveitáveis para os entusiastas do bizarro, quando Harper vive horas de puro terror na casa quando ocorre uma invasão. Chega a ser indescritível o que acontece nesse ponto, e o que quase retirou minha rejeição pelo filme.


Se falou muito de Rory Kinnear, mas mesmo gostando dos momentos finais, não consigo ver o ator incorporando uma força verdadeiramente ameaçadora, isso se deve muito pelos personagens pessimamente escritos, quanto pela forma como Buckley reage na pele da personagem, que me fez chegar a conclusão de que Harper mesmo confusa e melancólica, é impenetrável. A cena final que remete a dois grandes sucessos do gênero em 2019, Midsommar e Ready or Not garante um sorrisinho. Ou talvez esse seja apenas o pior papel da atriz irlandesa, que este ano pode estar melhor sendo cantora, como podem conferir aqui.

Men chega nos cinemas nacionais através da Paris Filmes em Setembro, com o subtítulo "Faces do Medo" (argh). Mas se pode ver aqui legendado.

2022 em 222 Filmes

Não é possível singularizar o cinema, sendo um vasto campo de linguagem visual e sonora. Pode ser um refúgio, quando não queremos nos inteir...