terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Um Lugar Chamado Dignidade (2021)


Um dos fatos que deveriam ser mais comentados nas aulas de História, é que com o fim do Terceiro Reich (1933 - 1945) na Segunda Guerra Mundial, milhares de oficiais do comando nazista fugiram e se abrigaram na América Latina. Josef Mengele (1911 - 1979) e Franz Stangl (1908 - 1971), conhecidos respectivamente como "Anjo da Morte", e "Morte Branca", são alguns dos mais notórios que estiveram em território nacional. Um dos nossos países vizinhos, o Chile, foi outro conhecido local de destino procurado pelos alemães, que sob a ditadura de Pinochet, conhecido abertamente como um apoiador da causa nazista, conseguiram permanência favorecida, como o ocorrido com Walter Rauff (1906 - 1984). É neste cenário que é preciso contextualizar Um Lugar Chamado Dignidade/Un Lugar Llamado Dignidad (2021), produção chilena dirigida por Matías Rojas (Root, 2013), que retrata eventos relacionados à estes, e recentemente chegou ao catálogo da HBO em outros países.


Em 1989, ano anterior ao fim da ditadura no Chile, após um incidente, Pablo (Salvador Insunza), um garoto de 12 anos é mandado para uma comunidade rural, promovida como "o orgulho alemão" na região do Maule, como recomendação do pastor da igreja que ele e a mãe, Cecília (Gianina Fruttero) frequentam, com a promessa de lhe trazer um futuro melhor, longe de habituais encrencas. Estamos falando da Colônia Dignidade, fundada em 1961, pelo ex-militar Paul Schäfer. Prévias informações podem auxiliar o telespectador a compreender de antemão o que está a ser retratado, no que vem a ser proposto como a adaptação mais fiel ao relatos obtidos sobre a Colônia no cinema.


Pablo conquista rapidamente a simpatia do líder local, o tio Paul (Hanns Zischler), que desenvolve grande interesse nos talentos do menino com a música, e o piano. A ordem no local é definida pelo estilo de vida que estimula, e ressalta a importância do trabalho pesado desempenhado pelos residentes, separados por gênero em seus aposentos, que vivem sob preceitos religiosos, que ditam rigidamente cada passo que deve ser dado por eles, em um processo de constante vigia, com intervenção de Paul. Todos na Colônia, vivem em função da Colônia. As crianças são parte fundamental da organização, tendo muitas delas nascidas ali, como Rudolph (Noa Westermeyer), que é invejado por todos os menores por ter chegado a posição de "Sprinter", nomeação dada por Paul, pelo aparente modelo exemplar do garoto, que assim ganha acesso a TV. O que se torna o objetivo de Paul, para receber tais regalias e favoritismo do militar. Em paralelo, a enfermeira Gisela (Amelia Kassai), segue cegamente os ensinamentos do líder, por almejar receber como presente divino um filho, com Johannes (David Gaete). Tentativas frustradas se acumulam para o casal, enquanto Pablo começa a criar suspeitas, e ao lado de Rudolph se une para confrontar a realidade sombria mascarada no ambiente, que vende a imagem de prosperidade e sucesso, tendo propagandas de alcance na rede nacional de TV, pela influência política alcançada com o apoio da ditadura.

O roteiro, também escrito por Matías elabora uma estrutura a partir da coleta de dados que se teve conhecimento público, a partir de uma série de investigações, envolvendo informações de desaparecimentos. Ao buscar tais relatos, é possível notar como é tão complementado pelos eventos que se sucederam, como as visitas de Augusto Pinochet que ocorriam no local, e as constatações chocantes sobre a função da Colônia. A sugestão do horror, tanto sobre as ações da ditadura, quanto da influência de ideais nazistas resulta na construção de uma atmosfera inquietante, que sabe se apresentar bem, dado a perturbadora história real escolhida. Nomes de diretores do cenário internacional como Arturo Ripstein (El Castillo de la pureza, 1972), Agustí Villaronga (Tras el cristal, 1986), e até mesmo, Guillermo Del Toro (A Espinha do Diabo, 2001) surgem como possíveis inspirações do diretor, pelas referências visuais e temáticas. No entanto, ainda é falho em execução, se por um lado, sabe tirar proveito das interações de Insunza com Zischler, como uma ilustração absurda da relação torpe entre "aprendiz e mestre", e a conexão criada com Noa, de suma importância para impactar o público mais tarde; ainda não eleva suficientemente o material, além de ser pouco interessado em explorar a importância do discurso religioso, para traçar uma linha com fanatismo e tentativa de lavagem cerebral dos residentes. Considerando certa influência das recentes ondas do cinema arthouse europeu, sublinha sobre os mesmos esquemas, se alinhando em concepção estética, pouco sabendo extrair uma força maior, sem encontrar rumo para uma resolução mais satisfatória, que segue uma cartilha previsível, que tira muito da tentativa de se criar autenticidade pela parte da direção.


Assim tendo uma passagem com uma fantasia do Krampus, figura maquiavélica natalina, e a tensão sexual, como tentativas vãs de criar clímax, sendo momentos de criação de choque que não são melhor amparadas pelo conjunto, mesmo que trauma e tortura sejam elementos automaticamente sugeridos. O elenco infantil é muito expressivo, e Hanns Zischler tem uma presença que relembra a de Udo Kier, pelo porte que emana uma energia nada confiável, e que acende as nossas luzes de "perigo", pena que tenha faltado saber usá-los de melhor forma para concluir este, que é um dos eventos mais silenciados, e ao mesmo tempo mais amedrontadores da história chilena. Uma sugestão de morte por exemplo, faz referência a um dos principais marcos da investigação do caso, mas acaba tendo vaga utilização, assim como núcleos paralelos mal fechados. A adoção de um tom de fábula, como se tivéssemos diante de uma história sobre a perda da inocência de Pablo, se perde por aí também, tendo um desfecho de execução automática que deixa bastante a desejar, e com pouco a se refletir após a sessão, ao contrário do esperado do que era possível se fazer com o potencial tremendo do realizador em mãos. 

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