À essa altura, desde a estréia no Festival de Veneza em Setembro, tudo que havia para ser falado sobre Até os Ossos/Bones & All foi discutido. O apontamento da leitura unilateral seria, inclusive, o ponto mais negativo do novo filme de Luca Guadagnino, adaptado do livro homônimo, da autora Camille DeAngelis. Se é verdade, ou não, nem estou interessado em prolongar a discussão.
Como a maioria das produções americanas, o mais interessante nesse road movie canibal, é o punhado de referências. Filmado pelos Estados de Kentucky, Ohio, Indiana e Nebraska, com ambientação nos anos 80, o encontro fatídico entre os jovens, Mauren (Taylor Russell) e Lee (Timothée Chalamet), que compartilham em comum uma inexplicável fome por carne humana, assim como uma paixão crescente, é facilmente associável ao encontro de Caleb e Mae, no cult de vampiros, Quando Chega a Escuridão (1987), da diretora Kathryn Bigelow, que de mesmo modo, era uma sombria volta pelos cenários noturnos desolados das regiões pequenas nos Estados Unidos. A inspiração não seria surpresa sabendo como Guadagnino era amigo de Bill Paxton, que fora um dos atores destaques da produção. Incluindo uma dedicatória à ele no seu tão badalado, Me Chame Pelo Seu Nome (2017).
Quando segue sem rumo, após o pai, Leonard (André Holland) abandoná-la, Maureen é interceptada por um estranho, Sully (Mark Rylance), que se apresenta como um ser igual a ela, vindo a oferecer uma senhora desfalecendo, como refeição pela manhã seguinte. Os trejeitos do personagem chamam bastante atenção, com intenções dúbias, vindo a figurar a posição de grande vilão da trama. E é difícil não enxergar Rylance, como o ator ideal para encarnar os próximos vilões nas adaptações posteriores de Stephen King. Inclusive, Holland estrelou a ambiciosa série da Hulu, Castle Rock que reunia um conjunto do universo do autor. Muito do conflito canibalístico, relembra Doutor Sono, publicado em 2013, com a trupe da cartola que vitimava crianças com habilidades paranormais, com um modus operandis semelhante aos ritos das criaturas famintas retratadas aqui. Como dita a passagem com a participação do diretor David Gordon Green, aonde seu personagem revela como a experiência de se alimentar até os ossos de um corpo, é transcendental para eles.
A dissolução da estética granulada setentista, não é surpresa, tendo visto Suspiria (2018), mas o que chama atenção, logo na sequência de abertura, é como parece bastante influenciado pelos exemplares da francesa, Julia Ducournau (Titane e Raw). Isso segue em frente em todas as cenas gráficas, extremamente estilizadas, quando os amassos calientes da dupla protagonista, e a profusão de sangue, jorram presentes. Pedaços da carne sendo mordidos, assim como closes de corpos, ou rostos ensanguentados se repetem, também conservando em segundo plano, leituras de gênero, sexualidade e, o não pertencimento, tão costumeiros nos longas franceses da diretora. Uma cena brutal ocorre em meio a ação de um encontro às escuras, numa pegação entre o personagem de Chalamet, com outro homem em um milharal. Os dilemas morais presentes nesse ato de consumir pessoas, passam frente aos nossos olhos, sem deixar muito o que mastigar, num misto de condenação e empatia. Sendo uma grande mistura do cinema pop americano, com o provocativo do cinema europeu.
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