terça-feira, 11 de outubro de 2022

Era Uma Vez Um Gênio (2022)


A literatura do Médio Oriente é uma das mais influentes com seus contos sobre morte e tragédia, desde a coleção popular intitulada As Mil e Uma Noites, que obteve reinterpretações no cinema por diretores como Miguel Gomes e Pier Paolo Pasolini. Agora o maior nome do cinema australiano, George Miller se lança em um universo místico e sedutor semelhante em Era Uma Vez Um Gênio/Three Thousand Years of Longing, um projeto com ares ambiciosos, adaptado do conto "The Djinn's in the Nightingale's Eye", da autora A.S. Byatt


Istambul, o centro denominado como o local de cruzamento entre o Ocidente e Oriente, é o palco onde se inicia a narrativa, com a chegada da narratalogista inglesa, Alithea (Tilda Swinton) para um evento num museu. Com um passado marcado por um relacionamento, e uma tentativa fracassada de começar uma família, a mulher tão dedicada ao trabalho acredita estar sucumbindo a própria imaginação, tendo visões com seres mágicos que só ela vê se materializar na multidão. Forçada a passar as últimas horas no país turco em repouso num quarto de hotel, ao adquirir um artefato antigo, vê sua vida ganhar uma nova página. Um ser mágico se liberta da garrafa, provando que sua inclinação para a loucura na verdade é falsa, o Djinn (Idris Elba) é real, está a sua frente mudando de forma  e a concede o poder de ter três pedidos atendidos. Se comunicando primeiramente em eliniká, o gênio não demora para aprender a língua inglesa moderna, e assim compartilhar sua trajetória existencial.


Com uma estrutura em ordem cronológica, Era Uma Vez Um Gênio se divide em diferentes períodos antes de se concentrar completamente no tempo atual, ilustrando os eventos que levaram as três encarcerações do Djinn durante os três mil anos que esteve à espera da libertação. O roteiro de Miller escrito em parceria com Augusta Gore, utiliza figuras históricas reais e bíblicas, partindo do Egito antigo, aonde encontramos a Rainha de Sába (a modelo, Aamito Lagum) e o Rei Salomão (Nicolas Mouawad), até o Império Turco-Otomano no Palácio de Sulimão, O Magnífico (Lachy Hulme). Uma concubina apaixonada pelo Príncipe Mustafá (o cantor Matteo Bocceli), e Zéfir (Burcu Gölgedar), uma das diversas esposas de um mercador também assumem o comando das histórias. Envolto de jogos de sedução e poder, o gênio testemunha sem poder interferir o destino trágico dos humanos, enquanto Alithea o ouve atentamente para poder escapar das armadilhas dos pedidos.

Miller se diverte reunindo um time de confiança, tendo parceiros de trabalho de longa data o auxiliando, com Junkie XL (Mad Max) na trilha sonora, e a sua esposa, Margaret Sixel na edição. Como uma grande produção da Metro Goldwyn-Meyer, demonstrar ter tido liberdade suficiente para exibir morte e sexo na tela, e se permitir sonhar com as escolhas visuais, sendo bastante luxuoso e glamouroso, enquanto em um momento ou outro, é cafona conscientemente. Mas sendo direto, tendo uma variedade de referências históricas e intelectuais, Era Uma Vez Um Gênio mergulha com precisão no modo de storytelling, que no final das contas resume como a coisa mais preciosa do universo, seja da matéria humana ou mística, é o amor. Idris Elba e Tilda Swinton formam uma dupla amorosa que parece não ter a chama acessa do desejo, mas ainda possuem um elo bonito. E o mais fascinante é a forma como apresenta as divagações sobre o mundo passado repleto de crenças, em contradição com a modernidade morta de espírito, quando tem a ciência e racionalidade como novo deus. O atual mundo repele aquilo que é puramente divino, intoxicando o fogo-fátuo que compõe o gênio.

Com uma recepção morna no Festival de Cannes, e uma baixa performance nas bilheterias deste ano, Era Uma Vez Um Gênio parece ter adiantado lugar nos futuros exemplares de culto, mesmo que em grupos pequenos de admiradores de Miller. Flertando com aventura e fantasia, há rumos que podem ser insatisfatórios para os consumidores usuais destes gêneros, e não será eficiente para quem está inerte ao contato do desejo e amor, que felizmente não é mais o caso de quem escreve. Sendo corajosamente íntimo e sentimental, é um baita filme especial. 

PS: Valeu Felipe ;-)

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