sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Morte, Morte, Morte (2022)

Após o sucesso repentino de X, a A24 retorna com um novo exemplar que parece seguir a cartilha slasher. Morte, Morte, Morte (Bodies Bodies Bodies) surgiu de forma criativa durante o ano passado como um projeto realizado sob as limitações da pandemia, reunindo um elenco pequeno de estrelas em ascensão em um único cenário. Com a atriz holandesa, Halina Reijn (Instinto, 2019) assumindo pela segunda vez em sua carreira o posto de direção. 

Começamos por testemunhar uma pontinha de insegurança sendo plantada na relação entre as jovens Sophie (Amandla Stenberg), e Bee (Maria Bakalova), nos minutos iniciais, antes de seguirem a estrada para uma reunião com os velhos amigos de Sophie. O resto do time de atores surge na tela sendo apresentados de forma bastante simbólica, em posições de cadáveres prestes a submergerem a água da piscina, da residência que pertence a família de David (Pete Davidson). O clima de ânimo parece propício para que Bee possa se integrar e se conectar com o grupo, mas não demora para que farpas venham à tona, por conta do passado de sua namorada. Na residência temos mais quatro pessoas: Alice (Rachel Sennott), com o namorado mais velho e hipster, Greg (Lee Pace), a namorada do anfitrião, Emma (Chase Sui Wonders), e Jordan (Myha'la Herrold). E antes do próximo amanhecer terão enfrentado a morte, ao iniciar a brincadeira que dá nome ao título, uma versão diferenciada dos clássicos jogos de detetive, enquanto uma forte tempestade se aproxima, que deixará o casarão escuro por toda a noite.

Com uma ação demarcada num período de 24 horas, tudo depende da interação entre o elenco. Reijn triunfa na forma como pretende aproveitá-los, sendo consistente em discurso, ainda assim o resultado é menos afiado do que se propunha inicialmente. A diretora havia anteriormente estabelecido uma visão firme e promissora em seu filme de estréia, que acabou sendo o representante da Holanda no Oscar 2020, e como atriz teve passagens por sets comandados por grandes diretores como Paul Verhoeven e Alex van Warmerdam. Sua experiência é nítida, e é o que lhe permite que não caia facilmente na armadilha de sobrecarregar sua narrativa com textos mega expositivos, personagens de arquétipos superficiais e irritantes, que costumam ser metralhadoras de referências à cultura pop, seguindo à risca o termo "white people problems", mesmo que esteja na intenção satirizar e causar instabilidade na confortável posição de alto status social em que se encontram presentes os personagens aqui, representantes da geração millenial sexualmente fluída.

O roteiro da dramaturga, Sarah DeLappe, que é baseado numa história criada por Kristen Roupenian, é eficaz em contornar a discussão sobre masculinidade tóxica, planejando sacadas espertas que esperam por serem reveladas até a cena final. A tensão é instalada gradualmente, com atos de violência sendo cometidos no decorrer dentro da residência mal iluminada, com um bom trabalho de direção de arte e fotografia, mas não a ponto de aproveitar muito do potencial de criar confusão e atingir níveis de insanidade ainda maiores. E se tudo não vai tão a fundo na loucura, o texto sabe defender o subtexto de cada personagem, que atravessa a superfície em momentos pontuais de tensão, quando o que está em jogo é a confiança entre eles. Nesse ambiente é divertido ver como pretende abalar a dinâmica entre as jovens: enquanto o ódio entre os homens é definido desde os primeiros instantes, as intrigas femininas precisam serem reviradas com pontas de faca, quase num sentido literal, para virem à tona. Maria Bakalova, Amandla Stenberg e Myha'la Herrold formam a combinação mais poderosa em cena. É uma dinâmica funcional, e após os créditos podemos ver como foi uma experiência divertida para os envolvidos na produção, mas que pode está fadado a ser um produto de efeito passageiro e momentâneo, não deixando maior impacto quando tudo se resume a um ato de estupidez. Morte, Morte, Morte está mais próximo da identidade de whodunit do que slasher, só para esclarecer como o marketing tem sido vendido. E como incursão por esse gênero, mesmo que garanta altas risadas se consumido desprentensiosamente, é inferior se comparado a outros feitos anteriores nele. Não é o melhor investimento de uma produtora como a A24 este ano, mas ainda pode ser aproveitável para a temporada de Halloween, que ainda espera por grandes títulos aparecerem.

Bodies Bodies Bodies pode ser visto legendado aqui.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

What Josiah Saw (2021)


O espírito gótico, marcado pelo sobrenatural, loucura e a morte move What Josiah Saw, filme concebido pelo californiano Vincent Grashaw (dos chocantes dramas sociais Coldwater e And Then I Go) que assume direção, produção e edição. Recebido com diversos elogios desde o Fantasia Film Festival, chegou a estar em diversas listas como um dos grandes títulos do horror em 2021. Tendo chegado no circuito brasileiro através do Fantaspoa em Porto Alegre meses atrás. E lançado na Shudder em Agosto passado.


What Josiah Saw demorou cerca de seis anos para enfim ver a luz do dia, vindo na nova onda de thrillers independentes e autorais, e temos um bom vislumbre de um projeto tão bem cuidado e original. Percorre por cenários atuais nos Estados Unidos, confrontando a vastidão desoladora herdada das pequenas e caóticas comunidades rurais, e sobretudo os demônios que advém do seio famíliar nesse espaço. O elemento gótico é o motor espiritual para o exercício de gênero e storytelling que Grashaw e o roteirista, Robert Alan Dilts habilmente vão construindo, estabelecendo a narrativa em capítulos, que se desenvolvem antologicamente e se complementam em tempo. Tudo começa com o interesse na compra de uma propriedade de terras no Texas, uma fazenda no nome da família Graham. Tommy (Scott Haze) e o patriarca Josiah (Robert Patrick) são os únicos administradores presentes, a convivência no entanto, é ditada de forma estranha. O homem que teve uma vida recém arruinada sem muitas explicações, na casa em que cresceu ainda se vê nas sombras do poder paterno. Josiah tem um porte arrogante e de ar violento, parecendo gostar de exercer um controle nocivo no filho. Uma história de fantasmas permeia o local, considerado amaldiçoado por uma tragédia do passado entre a família. É então que uma noite, Josiah tem uma visão que inexplicavelmente promoverá uma futura reunião com seus outros filhos, para uma espécie de acerto de contas e mágoas. O capítulo inicial termina e corta para acompanharmos divididamente o ex-presidiário, Eli (Nick Stahl) e a dona de casa deprimida, Mary (Kelli Garner) imersos em suas diferentes realidades.


Tentando pagar uma alta dívida, Eli é forçado por Boone (Jake Weber) a adentrar um acampamento de ciganos, que guarda algo de valioso. É quando Grashaw vai promovendo uma experimentação narrativa, o Capítulo de Eli reserva momentos de horror paranormal e tensão criminal, como a que estamos acostumados a testemunhar no cinema de S. Craig Zahler, ou mesmo Vince Gilligan. Com um interessante momento que nos contextualiza nos terríveis eventos da 2⁰ Guerra Mundial, é uma incursão sobre a ganância em confronto com o bom moralismo que Eli tenta preservar. Afinal Stahl continua tomando forma do nosso salvador, John Connor. Ou é o que acreditamos por um instante, até o seguimento focado em Mary e o posterior, com a reunião de família nos colocar perante grandes revelações.


What Josiah Saw tem uma concepção audaciosa para discutir os males que herdamos de nossa família, como resultado de problemas geracionais, como alcoolismo, depressão, psicose, ou até danos irreversíveis como a remoção de um útero (!). Há uma maldição, uma força sobrenatural que planeja colidi-los mas o horror é fruto das relações pessoais, e é nesse plano que Grashaw finca bem raiz. Robert Patrick não está a frente de toda a ação, mas no pouco em que aparece é assustador e autor de ações doentias. Scott Haze, que também investiu na produção do filme é notável pelo semblante frustrado e frágil, ainda como a criança que era quando sua vida começou a desmoronar. Mas nem tudo é digno de elogios, o último ato é tomado por uma força feroz e quando introduz um novo ponto de vista, parece desabar toda a construção vista até ali, como um castelo de cartas enfrentando uma ventania. Terminamos sem reação, tendo que engolir sem saber como processar o que acabamos de presenciar, mas é difícil não ter aproveitado o caminho até ali.

Vejam o filme legendado aqui.